Entre o silêncio e a solidariedade – a resistência de Afrin

16 de Fevereiro de 2018
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Afrin é uma região no norte da Síria, parte de um dos três cantões que compõem a Federação Democrática do Norte da Síria, vulgo Rojava. Estima-se que aí vivam mais de 500.000 pessoas de diferentes etnias. É a casa do povo Curdo mas também de outros povos como o Árabe, Turcomeno ou Circassiano. É uma das poucas regiões que conseguiu passar ao lado da chacina do conflito na Síria, tornando-se num abrigo para milhares de refugiados de guerra que ali encontraram a estabilidade para recomeçar as suas vidas. No passado dia 20 de Janeiro, o regime turco anunciou uma operação militar terrestre e aérea que visa invadir Afrin, em cooperação com o Exército Livre Sírio (FSA), conhecidos no Ocidente como os “rebeldes moderados” – Ahrar al Sham, Partido Islâmico do Turcomenistão, Tahrir al Sham, etc. que são grupos locais da Al-Qaeda que estiveram anteriormente em aliança com o ISIS.

Destruição e genocídio

O balanço das primeiras semanas é devastador, com a destruição de centenas de habitações e agravamento da situação humanitária a cada dia que passa. Até ao momento, estima-se que mais de 25.000 pessoas tenham sido forçadas a escapar, tendo como único refúgio as montanhas. Os principais hospitais da zona estão a ficar com escassez de medicamentos e outros materiais necessários para apoiar as centenas de pessoas feridas. Até ao momento, .

Os bombardeamentos têm afectado várias zonas. Uma das que causa mais preocupação é a barragem de Maydanki, que sofreu fortes danos. Em caso de colapso causará enormes inundações a norte de Afrin.

Para além dos custos humanos, a aviação turca tem também bombardeado e destruído zonas arqueológicas de valor incalculável, tais como Nabi Hori e o templo de Ain Dara, construído em 1300 a.C e que funcionou até meados de 740 a.C.

Sob o pretexto de proteger “fronteiras do ISIS e dos terroristas curdos”, o regime turco pretende criar uma zona de segurança com 30km dentro da fronteira síria. Curiosamente, esta é a medida exata das fronteiras de norte a oeste do Cantão de Afrin. Ao mesmo tempo, o regime procura estender a incursão em Manbij, mais a sul.

As políticas de terra queimada aplicadas pelos fascistas do AKP (partido governante) com o apoio do MHP (partido de extrema-direita turca) não começaram ontem. Historicamente, desde   que voltam a colocar no imaginário político o neo-otomanismo. A política externa do AKP para alcançar os sonhos de império centra-se no apoio e instrumentalização de bandos jihadistas de ideologia salafista, usados para ganhar influência sobre o decorrer da guerra na Síria. Os seus meios rivalizam com o pior do ISIS, como mostra um vídeo recentemente partilhado nas redes sociais onde soldados do FSA mutilam o corpo sem vida da guerrilheira curda Barin Kobane. Convém também apontar que o exército turco é o segundo maior da NATO. A imposição de uma linha ideológica baseada no conservadorismo e fundamentalismo religioso é um meio para chegar a um fim: maior controlo político e territorial sobre a região.

Esta agressão constante ao povo curdo leva décadas, dentro e fora de fronteiras. Não deve ser vista como um acto isolado, mas sim como uma política de longa data que visa exterminar um povo milenar, povo esse que neste momento tenta implementar um projeto confederal e democrático que poderá ser uma solução para alcançar a paz no Médio-Oriente.

Nações “não têm amigos, apenas interesses”

Tendo a Turquia o controlo do sul do Mar Negro, uma zona estratégica para a Rússia (que tem vários negócios de oleodutos com a Turquia), os dois países chegaram a acordo para possibilitar o ataque turco, uma vez que a zona agora em conflicto estava anteriormente sob protecção militar russa. Os EUA, depois de terem anteriormente apoiado as forças curdas contra os jihadistas, mudaram de discurso para passar a afirmar que a “Turquia têm toda a legitimidade para proteger as suas fronteiras dos terroristas curdos”. Foi também o momento escolhido pela CIA para classificar pela primeira vez o PYD (Partido de União Democrática, associado à luta pelo federalismo curdo no interior da Síria) como partido irmão do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e, .

Depois do pedido oficial por parte do cantão de Afrin para receber apoio do governo Sírio contra os bombardeamentos turcos, Damasco exigiu que a região se subjugasse ao controlo sírio e que as forças militares curdas se integrassem nas brigadas locais ou no exército sírio. A proposta foi rejeitada pelas milícias curdas.

Entretanto, também a resistência no local tem crescido, com centenas de habitantes de Afrin a juntarem-se às Forças Democráticas da Síria (SDF) e às Unidades de Defesa do Povo / das Mulheres (YPG e YPJ), a que lhes seguiram vários voluntários e voluntárias um pouco por todo o território de Rojava, assim como de várias cidades da Síria, como Manbij (o próximo alvo da ofensiva, segundo ameaças de Erdogan), Taqba ou Raqqa – todas cidades previamente libertadas do ISIS.

 

Solidariedade internacional

A 27 de Janeiro, milhares de pessoas tomaram as ruas de todo o mundo para demonstrar solidariedade com o povo curdo e denunciar o ataque do regime turco. Houve manifestações na Argentina, Chile, Bolívia, Colômbia, Brasil, EUA e Canadá. Na Europa, várias regiões do Estado Espanhol, França, Bélgica, Inglaterra, Escócia, Alemanha, Holanda, Suíça, Suécia, Noruega, Áustria, Grécia, Itália, Dinamarca e Portugal . Também Afrin foi palco de uma das maiores manifestações de sempre, a 4 de Fevereiro.

 

Guilhotina.info

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4 Comentários
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  1. Marlon diz:

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  2. MarkoR diz:

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  3. Slavin diz:

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  4. Parece-me que o papel muito dúbio (ou transparente, afinal) dos EUA nesta região do mundo é de semear o caos.
    Tão depressa distribuem armas aos curdos, como os atiram para «debaixo do autocarro».
    A Síria está – nos planos dos vários poderes – a ser sujeita a um processo de «balcanização» há cerca de 7 anos. Para tal todos os meios são usados, sem qualquer consideração pelos povos. São constantes crimes de guerra, perpetuados por forças estatais ou mercenários ao serviço, uma autêntica guerra de terror.

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