Rádio Gabriela: para matar o bicho!
Este artigo faz parte da série #PandemiaSolidária.
A Rádio Gabriela, projecto de rádio colaborativa, nasceu em Março de 2020, com o objectivo de continuar a construir comunidade, em tempos de isolamento social. As emissões são feitas a partir da associação cultural Sirigaita, em Lisboa.
Todas as semanas é possível encontrar o podcast Pandemónio, o principal programa da rádio Gabriela, no seu blogue. Aos domingos, a partir das 20h30, há episódios live que são emitidos a partir da associação Sirigaita, em Lisboa. Esta associação começou em Dezembro de 2018 e, desde então, tem abrigado várias lutas sociais, sendo o direito à cidade e à habitação uma das suas grandes bandeiras. Para além da associação Habita, também por lá passavam a cooperativa de eco-consumidores Bela Rama, um grupo de teatro comunitário, aulas de música e de costura, e reuniões de vários colectivos – feministas, ecologistas, anti-racistas – que não tinham sede para se reunir e que encontraram aqui uma casa. O espaço abria aos sócios/as nas noites de quinta a segunda-feira, com uma programação extensa que incluía debates, concertos, noites de karaoke, exposições e feiras do livro, estas últimas organizadas pela livraria residente da Sirigaita.
No contexto da pandemia covid-19, o espaço da Sirigaita teve de se manter fechado, mas a Rádio Gabriela mantém alguma vida lá dentro. Como nos disseram durante esta entrevista ao Jornal MAPA: «Há muita liberdade de cada uma fazer o que tem vontade. A Gabriela (também uma bebida famosa na Sirigaita) é assim, é o que apetece.»
O que motivou a iniciativa?
A Rádio Gabriela surgiu quando percebemos que todos os espaços colectivos auto-geridos, como a Sirigaita, uma associação cultural em Lisboa onde militávamos e nos encontrávamos, iam ser obrigados a fechar. Espaços como a Sirigaita servem para agregar pessoas, ideias, projectos culturais e campanhas políticas, e para conspirar: respirar em conjunto, gerando novas ideias, projectos e cumplicidades. Quando estes deixam de poder abrir, há uma comunidade que deixa de se encontrar, e achámos que podíamos colmatar um bocadinho dessa falta ao inventar um espaço de encontro e de partilha, criando uma rede com as vozes de todas as que quisessem participar.
A quem é dirigida?
Porque somos nós que a fazemos, há uma parte do que produzimos que tem mais ressonância junto das pessoas que frequentavam os espaços sociais. Mas, na verdade, os conteúdos são tão variados que achamos que podem interessar a muita gente, e nas nossas emissões já demos voz a colectivos de Coimbra, Porto, Barreiro, porque são campanhas e lutas que temos todo o interesse em narrar, e porque a luta não se restringe apenas à capital.
De resto, definimos desde o início que a rádio seria colaborativa: um, porque o colectivo não está fechado, e quem quiser fazer coisas pode-se juntar; dois, porque qualquer pessoa pode produzir conteúdos e enviar-nos áudios, mesmo que sejam gravações do WhatsApp, e nós passamos (bom, dentro dos limites do razoável). Nas nossas emissões já passámos coisas de malta que não conhecemos, porque eram coisas fixes, mas também porque alargar essa audiência parece-nos saudável.
Como tem corrido?
Muito bem! Temos tido um excelente feedback e muitas ouvintes! Mas também estamos a perceber que para fazer uma coisa com pés e cabeça, com gravações de rua, montagem veloz, problemas técnicos a resolver, entrevistas a preparar, contactos a estabelecer, etc., tudo isso dá bastante trabalho: temos de conjugar boa coordenação e comunicação entre nós, liberdade, autonomia, abertura, sentido crítico… E implica decisões «editoriais» rápidas e discutíveis, muitas vezes intuitivas, numa base de grande confiança.
Como se organizam?
A verdade é que nós não éramos um grupo. Unimo-nos assim à pressa e com a urgência toda daqueles dias em que tudo mudou rapidamente. Isso fez com que não tenhamos um modus operandi definido e implica que tenhamos de ir encontrando as formas de organização através da prática. Nesse aspecto estamos sempre a mudar e a melhorar constantemente, esperamos.
Respondendo concretamente à pergunta: temos reuniões por vídeo-chamada irregularmente, escrevemos montes de e-mails, temos um Excel onde cada uma põe os conteúdos que está a preparar, definimos juntas o que usar em cada emissão do Pandemónio, também de acordo com as entrevistas que cada uma tem vontade de fazer. Há muita liberdade de cada uma fazer o que tem vontade. A Gabriela (também uma bebida famosa na Sirigaita) é assim, é o que apetece.
Como funciona a rádio?
Temos um blogue onde publicamos os Pandemónios, que são programas de conteúdos mistos com a locução do Pedro Augusto e do Franco Tomassoni como fio condutor. Estamos abertas a desenvolver ou acolher outros programas, e lançámos esta semana o primeiro de cinco podcasts com o título «Imaginar Geografias», um trabalho sonoro que parte de uma pesquisa sobre mobilidades e migrações, e que voa para outras paragens, trazido pela Fannie Vrillaud, que também faz parte da «redacção». O blogue também começa a ter conteúdos próprios, como a série «Rebels on the Mov(i)e», uma selecção semanal de filmes e documentários «para nos ajudar a desenhar um horizonte». O blogue, de resto, serve sobretudo de apoio aos programas áudio, servindo de arquivo e de ponto onde se congregam informações sobre as iniciativas e campanhas divulgadas nos programas, para que as pessoas possam também acompanhá-las à sua maneira, divulgá-las pelas suas redes e colaborar.
Que tipo de conteúdos têm publicado?
Variadíssimos! Todos os que caberiam num espaço associativo! A ideia que permeia todos os Pandemónios é a de narrar as lutas e as campanhas que vão surgindo, dando-lhes a palavra e divulgando os seus desenvolvimentos, o que achamos que serve também para criar redes e pontos de contacto entre os vários grupos mobilizados. Há aqueles momentos de galhofa do Pedro e do Franco, que sabe bem ouvir, porque são mesmo dois amigos a conversar praticamente ao balcão, o que por si só é uma espécie de serviço público que fazem ao resto da malta, por todas termos saudades disso.
Há textos e artigos lidos; há entrevistas a membros de campanhas políticas de base, ou a investigadoras, que nos podem ajudar a perceber e criticar certos assuntos; há notícias do mundo, para além das notícias da comunidade à nossa volta; há reportagens; há conteúdos originais que nos enviam, como o de uma companheira que estava em Gaza ou as reflexões de uma enfermeira; há música, que tentamos que seja sobretudo música das artistas da nossa praça, pelo que também passamos excertos de concertos gravados na Sirigaita; e ainda cá cabem dicas de jardinagem ou absurdos da imprensa tradicional.
Têm tido algum problema por causa das restrições impostas pelo «estado de emergência»?
Claro que seria muito mais fácil se pudéssemos reunir e estar à vontade para gravar em conjunto. Mas a verdade é que nós não tínhamos prática de fazer isto antes do estado de emergência. Portanto, também não podemos dizer que esta situação tenha mudado alguma coisa no nosso modo de fazer… Mas é evidente que limita as possibilidades de acção, de fazer uma reportagem na rua (onde é que estão as pessoas?) ou um debate colectivo, por exemplo.
Como se pode apoiar/participar?
Ouvindo os programas, divulgando, mas também na produção de conteúdos, que nos podem enviar para: radiogabrielalisboa@gmail.com. Estes podem ser variadíssimos: uma entrevista que faças, uma reportagem, uma leitura de um texto, de um poema, uma receita, um boletim meteorológico, uma música ou várias… E ainda: se tiveres capacidades técnicas para melhorar a qualidade dos programas, não temos engenheiras de som na equipa!