Jihad, ‘No Future’ Armado
Bélgica e suas comunidades árabes radicalizantes
Não há nada no nome de Sint-Jans Molenbeek que sugira qualquer tipo de inclinação da sua população no sentido de travar uma Jihad contra a civilização ocidental e tudo o que ela representa. O nome é tão comum em flamengo como Famalicão em português. Ainda assim, as dezenas de pessoas que deixaram o local para participar na guerra santa, com as pistas de investigação sobre os atentados recentes a conduzirem repetidamente a Molenbeek, fizeram com que o lugar fosse considerado pelo mundo como um ninho de extremistas religiosos. Embora o tamanho da sua comunidade muçulmana seja proporcionalmente comparável a outros países da Europa Ocidental [1], como França ou Alemanha, a Bélgica fornece de facto muitos mais combatentes [2]. O que definiu o quadro de vida das comunidades árabes e a sua história precedente que possa explicar a adesão de, sobretudo, jovens muçulmanos, nascidos e criados na Bélgica, aos mais excessivos ramos intolerantes e violentos da religião pela qual estão preparados para enfrentar a morte?
Quase metade da população muçulmana belga é de origem marroquina, outro quarto turca [3]. Enquanto os muçulmanos vivem em todo o país, mais de dois terços encontram-se nas cidades, muitas vezes concentrados em bairros específicos ou em subúrbios densamente povoados.
Molenbeek é uma dessas áreas periféricas situadas a oeste do centro de Bruxelas. A sua população é composta por 90% de imigrantes ou descendentes de famílias imigrantes, sendo o maior grupo de pessoas de origem marroquina [4]. Enquanto a realidade local pode não diferir muito das características gerais que definem a vida nas cidades noutros lugares, é aqui que a maioria dos indicadores sócio-económicos de pobreza, tais como rendimento e desemprego, dispararam. Além disso, ser um habitante pobre de Molenbeek geralmente também significa ser jovem, não ter diploma e partilhar essa condição com muitas outras pessoas numa pequena superfície. É especialmente na zona mais antiga e mais baixa de Molenbeek, mesmo ao lado de um canal que a separa do centro da cidade, onde a pobreza vai a par com a densidade populacional, a última atingindo mais de 25.000 habitantes por quilómetro quadrado [5], um valor comparável às áreas mais povoadas da Amadora perto de Lisboa [6].
Molenbeek ao serviço do capital
As questões sócio-económicas de Molenbeek remontam, pelo menos, a quatro décadas para cá. Como consequência do desenvolvimento das redes rodoviárias e da expansão do aeroporto na década de 70, muitas empresas mudaram-se para novos parques industriais. Outras relocalizaram os seus negócios para o estrangeiro em países com baixos salários. De repente, a maior parte das oportunidades oferecidas na década de 50 a milhares de trabalhadores imigrantes, atraídos pelo estado em acordos bilaterais com Marrocos e Turquia, mas também com países do Sul da Europa, como Itália e Portugal, desapareceram num ápice. Ao mesmo tempo, uma crescente classe média de belgas optaram por trocar a vida na cidade por uma casa decente na cintura verde, ou pelo menos na zona alta ocidental de Molenbeek. Os menos afortunados, que ficaram para trás, foram as pessoas mais idosas que tiveram de partilhar o bairro com uma grande quantidade de famílias imigrantes recém-chegadas atraídas pela queda abrupta das rendas, mas sem acesso aos postos de trabalho que costumavam ter.
A área mais pobre e mais antiga sofreu uma profunda falta de empenho político tal como revelaram os trabalhos de construção do metro em 1974, que esventraram literalmente o bairro. Ao longo de 500 metros, 170 casas foram demolidas e centenas de pessoas foram despejadas, enquanto nenhuma alternativa significativa lhes foi oferecida. Ruas foram completamente fechadas, o ar ficou saturado com poeira, o chão tremia com as explosões de dinamite e os choques das escavações [7]. As pessoas que se recusaram a sair foram intimidadas e de repente ficaram sem eletricidade. A brutalidade destas obras de construção, as circunstâncias económicas locais reforçadas pela crise global de meados dos anos 70, as alterações demográficas e o consequente empobrecimento de uma população imigrante em crescimento, fizeram de Molenbeek um terreno baldio esquecido, abandonado por qualquer interesse governamental.
Num documentário de 1987 da televisão pública, vemos assistentes sociais e membros de associações a trabalhar numa tentativa de recriar uma espécie de tecido social, conectando belgas idosos, que vivem na solidão, com a comunidade de imigrantes e ensinando competências técnicas aos jovens imigrantes [8]. Falam da exclusão institucional e da polícia racista e retratam uma realidade diária constituída por controlos de passaportes intensivos e repetidas rusgas em tascas locais. O documentário termina com um membro de uma comissão de bairro alertando para as consequências futuras para as segundas e terceiras gerações de jovens de famílias imigrantes nascidas na Bélgica. Retrospectivamente, e na sequência dos recentes acontecimentos, são avisos que tomam uma dimensão quase profética.
Motins e a extrema-direita
Em 1991, na periferia de Bruxelas, eclodiram os primeiros motins de jovens árabes, que não seriam os únicos do género. O ministro da administração interna, um socialista, referiu como causa directa um “controlo policial pouco jeitoso” [9]. Os média deram grande destaque a esses acontecimentos, rotulando-os de motins imigrantes, que transformaram o problema imigrante – outro chavão da moda na altura – num problema nacional. Estes tumultos aconteceram apenas alguns meses antes das eleições nacionais, com sondagens prevendo um aumento acentuado do Vlaams Blok (Bloco Flamengo), um partido de extrema-direita e o único que foi visto por muitos como o único que realmente queria resolver o “problema imigrante”. A previsão foi confirmada para além das expectativas. O Vlaams Blok conseguiu uma importante vitória nas eleições nacionais. Com uma fatia de 6.6% no bolo eleitoral, este resultado significou a transformação de um micro-partido racista num protagonista, instalando-se no parlamento, expandindo gradualmente a sua posição nos anos seguintes [10].
O partido viria a capitalizar esta vitória inicial de duas maneiras. Por um lado, tal como definido por lei, os lugares no parlamento dariam acesso a um financiamento muito mais elevado. Por outro lado, iria atrair o interesse das redes fascistas. Enquanto estas organizações se tinham tornado um tanto marginalizadas e mudado de nome nas décadas após a Segunda Guerra Mundial, sempre foram suficientemente grandes para preservar uma certa continuidade histórica, nutrindo-se de sentimentos nostálgicos para com os tempos organizados da colaboração nazi alemã. A ascensão promissora do Vlaams Blok ofereceu a estes grupos um propósito renovado e aumentou-lhes a confiança para ressurgirem em público. Como os líderes do partido eram figuras bem integradas na subcultura fascista, também foram capazes de aproveitar a capacidade de organização de algumas das suas facções para obter os recursos humanos necessários à máquina de propaganda.
Apesar desse conglomerado das redes fascistas fragmentadas subjacente à organização do partido, a sua estratégia visível iria ser continuar a usar as mais populares concepções racistas contra a comunidade árabe, sem se esforçar em polir o seu tom insultuoso. A imagem dos líderes do partido entre os seus eleitores era a de rebeldes, do e entre o povo, dando coices na pança do aparelho político. O seu discurso propagou-se com folhetos nas caixas do correio, durante actividades que procuraram reavivar as tradições flamengas, e por meio de acções que permitiram que os líderes beneficiassem da resultante atenção dos média. A detenção do assassino em série, Marc Dutroux, cidadão belga, em 1996, que abusara e assassinara várias jovens, também não foi de somenos importância nesta história. A consequente indignação pública, acusando a polícia, a justiça e o governo de incompetência, de corrupção e até mesmo de conspiração, provocou uma das maiores mobilizações da história belga. De certa forma, tudo se desenvolveu bem segundo o plano dos novatos políticos de extrema-direita.
Esta reformulação de uma velha estratégia em função do contexto actual provar-se-ia bem-sucedida, enquanto o Vlaams Blok expandiu gradualmente a sua posição eleitoral nos 15 anos seguintes. Isto fez com que este partido fosse amplamente considerando por ambos amigos e inimigos, como sendo a mais organizada e perigosa força de extrema-direita da Europa, que incluía no seu núcleo uma forte facção interna acalentando ambições fascistas reais, ainda que nunca verbalizadas publicamente.
O aparelho em pânico
Os partidos tradicionais do governo reagiram à agitação em Bruxelas e à vitória-chave do Vlaams Blok de uma forma que disfarçou mal o seu pânico. Pouco depois dos primeiros motins, meios financeiros federais foram disponibilizados para começar a abordar a integração dos imigrantes na sociedade belga. Além disso, foi concebido um acordo não escrito, o “cordão sanitário” [11], envolvendo os principais partidos políticos que recusavam qualquer aliança governamental com o Vlaams Blok. Este compromisso seria reafirmado por todos os partidos envolvidos em vésperas de eleições. Mas também, as segundas e terceiras gerações de imigrantes poderiam doravante tornar-se belgas mais facilmente e, eventualmente, em 2001, seria concedido o direito de voto nas eleições locais aos imigrantes, sem nacionalidade belga, mas com pelo menos cinco anos de residência na Bélgica. Supor-se-ia que um imigrante árabe não votaria em nenhum partido de extrema-direita. Assim, uma condição foi criada para ajudar a reduzir a percentagem total do Vlaams Blok no resultado final, especialmente nas eleições locais. Isto foi particularmente relevante em Antuérpia, onde os imigrantes eram numerosos e o Vlaams Blok estava fortemente enraizado.
Todavia, em Bruxelas, a influência do Vlaams Blok sempre permaneceu limitada, também por causa das suas aspirações separatistas flamengas, que mantiveram a comunidade francófona à distância. Mas posto que a extrema-direita foi colhendo votos concentrando-se constantemente no que chamou os “guetos árabes” e os seus problemas, os restantes partidos viram-se obrigados a dar uma resposta local. Em Molenbeek, isto significou a chegada de um novo presidente de câmara, Philippe Moureaux, um político de peso do partido socialista de quem se dizia que entendia o seu eleitorado. Este ex-ministro da administração interna poderia explorar a sua complexa rede política para atrair fundos, que ficaram disponíveis em consequência da então recente renovação das fronteiras administrativas, e começar a tratar dos problemas alarmantes da habitação, educação e acesso ao emprego.
A percepção imigrante
Philippe Moureaux, com os meios disponibilizados a nível nacional e outras circunstâncias benéficas, viria a trazer algumas melhorias tangíveis para Molenbeek que levantariam o véu sobre as margens afiadas da miséria diária da pobreza e opressão proletária a que sua população foi sujeita. No entanto, o contexto hostil e xenófobo moldado pela sólida presença da extrema-direita continuaria presente em bairros de todas as cidades belgas e não apenas em Bruxelas. Além disso, a reacção do governo para melhorar a vida da população podia ser facilmente interpretada como motivada pelo oportunismo político ou até puro sobrevivencialismo, e configurou um tom de desconfiança e de polarização entre as comunidades imigrantes, que ressoariam na sociedade belga durante os anos seguintes.
Dez anos após os primeiros motins, que se iriam continuar a despoletar regularmente, e com o Vlaams Blok no seu auge, outro partido político emergiu. Nas eleições regionais de 2000, o Vlaams Blok, em Antuérpia – a segunda maior cidade da Bélgica – alcançou uns surpreendentes 33% dos votos, tornando-se assim localmente o maior partido [12]. A visão de Philip Dewinter, futuro candidato a presidente da câmara da cidade, ideólogo do partido e o elemento mais radical da liderança, foi-se transformando progressivamente num cenário plausível. É neste contexto que a Liga Árabe Europeia (LAE), sediada em Antuérpia, aparece em palco, determinada a recolher os votos das comunidades árabes de Antuérpia e de outras cidades [13], [14].
O eloquente líder da LAE de origem libanesa, Abou Dyab Jahjah, fluente tanto em flamengo como em árabe, agregou rapidamente à sua volta um grupo de membros da comunidade árabe. Inspirado por Malcolm X e adoptando um semelhante tom provocativo e intransigente, desafiou não só a extrema-direita, mas criticou também os outros partidos e suas políticas de “racismo de esquerda”. Com isso referia-se à pressão da assimilação forçada como um pré-requisito para obter a nacionalidade belga, defendendo, por sua vez, um processo de integração baseado na manutenção da identidade cultural. Foi um período volátil, tanto na Europa como fora dela, com uma série de mobilizações internacionais, muitas vezes transformadas em motim e revolta, tendo como alvo os símbolos do poder corporativo e do aparelho político. A LAE, numa aliança pragmática com o partido comunista, procurou conexões com esses movimentos.
Foi então, quando os dois aviões embateram no World Trade Center em 2001, que uma engrenagem foi posta em movimento, levando os EUA a atacar o Afeganistão no mesmo ano e a invadir o Iraque em 2003. Por seu lado, Jahjah não se absteve de ligar o seu discurso a estes acontecimentos maiores. O seu evidente anti-sionismo e a defesa da luta armada palestiniana criaram graves tensões com a comunidade de 20.000 judeus ortodoxos de Antuérpia. Essa tensão culminou com o estrago infligido por jovens árabes a lojas de judeus, na noite seguinte aos exércitos norte-americano e britânico começarem a invadir o Iraque em 2003. Mais tarde, em reacção à ocupação do Iraque, Jahjah salientou que qualquer soldado dos EUA ou do Reino Unido, conforme estabelecido pelo direito internacional, era um “alvo legítimo da resistência“, uma posição que reafirmou recentemente [15].
É óbvio que estas posições não proporcionariam à LAE muitos amigos políticos. A estratégia para lidar com a LAE como a primeira força política árabe organizada tornou-se clara uma noite de Novembro de 2002. Em Borgerhout, num distrito oriental da cidade de Antuérpia, onde se concentram principalmente famílias marroquinas, um homem de 66 anos mata um professor de 27 anos, Mohammed Achrak. Uma marcha, iniciada por amigos e vizinhos, acaba em confrontos com a polícia. Jahjah aparece em primeiro plano, e fala com o comandante da polícia da cidade. Os políticos sugerem que Jahjah teria desempenhado um papel importante nesses tumultos. Dois dias depois do assassinato, enquanto a situação ainda estava efervescente, o primeiro-ministro apelava à detenção imediata de Jahjah. O mandado é emitido e Jahjah é preso, horas depois acusado de incitação a tumultos e formação de milícias privadas. Esta última acusação refere-se a grupos de árabes que seguiriam e observariam a polícia para registar actos de comportamento racista. As acusações foram finalmente levantadas com base na ausência de provas.
A LAE e, em 2004, o seu sucessor, o Partido Democrata Muçulmano (MDP), que iria trabalhar de forma independente dos comunistas após o fracasso eleitoral de 2004, foram ambos condenados a uma vida curta. Provavelmente, nem o LAE, nem o MDP apelaram aos árabes mais idosos que preferiam dar expressão à sua cultura e religião de uma forma mais privada e discreta. Em 2006, Abou Jahjah foi para o Líbano quando as forças do Hezbollah confrontaram as tropas israelitas. No mesmo ano, a França ficou em estado de emergência quando motins massivos de imigrantes incendiaram os subúrbios de Paris durante semanas. As circunstâncias da altura e o impacto deste movimento de despertar de uma consciência política e cultural entre jovens árabes não podem provavelmente ser subestimados. Mas, com a desintegração da LAE, os olhares viraram-se para Osama bin Laden que se havia tornado o próximo ícone em linha, que iria estimular a imaginação dos adolescentes árabes claramente em busca de uma identidade. Uma identidade que, nessa altura mais do que nunca, poderia pouco provavelmente compor-se com elementos da cultura flamenga.
Em 2010, um grupo de Muçulmanos árabes interrompe uma apresentação do escritor Holandês Benno Barnard na Universidade de Antuérpia. Revelaram-se como representantes da organização sharia4belgium, pregando a insurreição e a Jihad, pretendendo implementar a Sharia – Lei Islâmica – na Bélgica [16]. O seu discurso, de natureza tão excessiva, quase surreal, foi dificilmente percebido como algo que pudesse apelar a qualquer faixa considerável da comunidade árabe. No entanto, várias dezenas de pessoas juntaram-se para formar um núcleo duro, das quais a maioria iria para a Síria a dada altura.
Quando as primeiras pessoas começaram a ir para a Síria, inicialmente a atitude do governo Belga foi passiva. Em primeiro lugar, estas partidas foram consideradas como proveitosas à redução dos crimes. Além disso, ainda era um momento em que os países ocidentais continuavam a tentar perceber como se posicionar em relação ao regime de Assad. Nesse ponto, qualquer factor desestabilizador era visto como um recurso conveniente. Eventualmente, foram os serviços de segurança nacionais que ficaram preocupados quando os belgas árabes regressaram às suas comunidades, trazendo histórias, experiências e conhecimentos do combate armado para casa.
O verdadeiro papel da sharia4belgium no recrutamento de combatentes para o EI ou para a Al-Nusra (Al-Qaeda na Síria) tem recebido muita atenção. De alguma forma, parece fácil imaginar como uma combinação de propaganda inteligente na Internet, a presença de uma figura carismática e o encorajamento mútuo entre amigos do mesmo bairro moldam um desejo colectivo de aventuras emocionantes, que só se torna mais atraente num contexto nitidamente contrastante com uma história de pobreza social e de estigmatização. Quando um número de telemóvel estrangeiro é então subtilmente repassado no momento certo, seja através do Facebook ou uma pessoa conhecida, de repente o desejo torna-se um cenário concreto alcançável. Os casos de Molenbeek e Borgerhout e suas comunidades radicalizantes podem ser considerado à mesma luz. Podemos imaginar como as comunidades, particularmente mal tratadas, num reflexo defensivo se fecham sobre si mesmas, transformando uma ideologia religiosa tolerante em fundamentalismo.
O Mundo no Bairro
No entanto, há factos que distorcem um pouco a imagem previamente esboçada. Primeiro, há os números. Ao considerar a quantidade de combatentes na Síria com residência belga, tudo indica que cidades flamengas relativamente pequenas fornecem mais combatentes que Molenbeek, pelo menos proporcionalmente ao tamanho das suas comunidades locais [17]. Este facto é ainda complementado por outro: as pessoas que no geral optam pela luta armada insurgente – como aqueles que realizam ataques suicidas – não vêm necessariamente dos contextos mais pobres [18]. Isto também se confirma a partir das escassas informações sobre o perfil dos combatentes que realizaram os mais recentes ataques em Paris.
Estes factos apontam para uma dinâmica de radicalização bem mais complexa que uma consequência de um simples motivo criado pela experiência individual da injustiça e exclusão social. Em alternativa, um olhar que considere a adesão combatente a princípios religiosos ou políticos ser o resultado de um processo alimentada pela confluência complexa de identidades sociais, culturais e pessoais apresenta-se bem mais capaz de compatibilizar esses factos anteriores aparentemente contraditórios com a história aqui contada. Nesta perspectiva, a condição de injustiça vivida por muitos encontra o seu caminho no complexo conjunto de motivações individuais através da associação desta condição à classe da qual se percebe fazer parte enquanto membro. Também ajuda, por exemplo, a integrar o impacto das imagens diárias da guerra no Médio Oriente trazidas pela televisão por satélite para os bairros árabes na Europa. A exibição de canais árabes em muitas casas de chá, restaurantes e lojas de internet, como é o caso da Al Jazeera, oferece, muitas vezes, a sua própria selecção de imagens acompanhadas, quase sempre, de uma narrativa bastante diferente da fornecida pelos canais televisivos ocidentais. A presença deste tipo de imagens em locais da vida pública, que evidenciam pessoas a sofrer e a morrer – muitas vezes como resultado de uma intervenção militar ocidental – que apresentam a mesma aparência e falam a mesma língua, faz com que essas imagens se fundam subtilmente com a experiência da vida local. Este é um exemplo a destacar pois explica como realidades, histórias e escalas locais, vastamente diferentes, que abrangem o globo inteiro confluem para uma identidade comum de classe. Porém, quando se fala em identidade, esta só apresenta significado quando é confrontada com as histórias das pessoas, ou seja, por meio de escolhas individuais que podem até mesmo lidar com a vida e a morte.
É certo que ainda há muito a ser explorado, se procurarmos compreender a realidade geopolítica do século XXI que está a bater às portas da Europa. Nesta nova realidade, o território e regras de empenhamento já não são apenas determinados por potências ocidentais e pela sua longa história de tentativas em fixar os seus interesses no Médio Oriente, caracterizadas por um jogo político sujo e por uma série de intervenções militares brutais que conduziram a um número de mortos que supera de longe a soma de vítimas causadas pela mão do EI na Europa. Se as sociedades ocidentais estiverem realmente interessadas em construir uma solução que ofereça segurança e bem-estar ao povo, isso irá envolver o reconhecimento de que o Estado Islâmico, que eles procuram destruir, é acima de tudo uma besta de sete cabeças que o próprio Ocidente ajudou a construir.
Johan Diels
///NOTAS[1] PEW Research Centre. 2011. The Future of the Global Muslim Population. www.pewforum.org
[2] ICSR. 2015. Foreign fighter total in Syria/Iraq now exceeds 20,000. www.icsr.info.
[3] Non-profit Data. 2015. Moslims in België per gewest, provincie en gemeente. www.npdata.be
[4] Non-profit Data. 2015. Moureaux heeft Molenbeek doen overleven. www.npdata.be
[5] Vandecandelaere, Hans. 2015. In Molenbeek. Epo
[6] INE. 2011. Census 2011. www.ine.pt
[7] Idem 5
[8] BRT. 1987. Panorama Reportage uit Molenbeek in 1987. www.deredactie.be
[9] Vrij. 1991. Struisvogelpolitiek regering oorzaak van migrantenrellen.
[10] Wikipedia Inglês: ‘Belgian general election, 1991’. https://en.wikipedia.org
[11] Wikipedia Francês: ‘Cordon sanitaire (politique belge)’. https://fr.wikipedia.org
[12] Wikipedia Inglês: ‘Belgian local elections, 2000’. https://en.wikipedia.org/
[13] Jacobs D. 2005. Arab European League (AEL): The Rapid Rise of a Radical Immigrant Movement. Journal of Muslim Minority Affairs. 25:1. 97-215. DOI: 10.1080/13602000500113928
[14] Wikipedia Inglês: Arab European League. https://en.wikipedia.org/
[15] Jahjah D.A. 2015. On my link to Jeremy Corbyn and the smear campaign against me and him in the UK. http://www.aboujahjah.org
[16] Vidino L. 2015. Sharia4: From Confrontational Activism to Militancy. Perspectives on Terrorism. 9:2. 15p. http://www.terrorismanalysts.com
[17] Idem 3.
[18] Krueger A.B e Malečková J. 2003. Education, Poverty and Terrorism: Is There a Causal Connection? The Journal of Economic Perspectives. 17:4. 119-144. http://www.jstor.org/stable/3216934
Números dos combatentes na Síria por cidades belgas:
http://syriestrijders-per-gemeente.silk.co/