Frackampada: Fracking? Nem aqui, nem em nenhum lugar!

10 de Agosto de 2015
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A Frackampada foi um acampamento, não só contra o Fracking (Fratura Hidráulica – tecnologia de extração de gás natural por perfuração e injeção de líquidos com graves consequências ambientais) mas também a favor de uma organização social horizontal da luta anti-capitalista, anti homofóbica e contra a globalização desumana e destruidora.

 

 

Um acampamento onde se procurou estabelecer as bases de um movimento de raiz popular, organizado de baixo para cima, contra as petrolíferas. O jornal Mapa esteve lá. Participou no levantar do campo, colaborou em algumas tarefas, workshops, debates e secções de informação sobre resistência e lutas populares contra o Fracking e pela defesa do território físico e cultural. Participámos numa união de lutas e esforços, que só poderá funcionar com apoio mútuo e onde a participação individual é um complemento e não uma forma de egoísmo.

frackanpada6O acampamento aconteceu em Subijana de Alava, no município de Vitória-Gasteiz, no País Basco. Esta pequena comunidade que vive da terra é também o sítio previsto para a introdução da técnica de fraturação hidráulica na região. Foi junto ao local onde planeiam abrir o primeiro poço que se levantou a Frackampada, com o objetivo de juntar pessoas de todo o mundo contra o Fracking e ao mesmo tempo mostrar às petrolíferas que não vai ser fácil invadir a vida desta comunidade e região,   destruir bens comuns como a água, o ar e os ecossistemas locais.

Foi o primeiro encontro internacional anti-fracking na península ibérica. Organizado pelo movimento basco “Fracking Ez”, realizou-se entre 13 e 19 do passado mês de Julho com o apoio de habitantes locais que emprestaram as terras, mas também de muitas outras pessoas, grupos e ONG’s internacionais. Durante esse tempo recebeu centenas de pessoas que estiveram 7 dias acampadas, a que se somaram mais umas centenas que por lá passaram, entre interessados, preocupados e representantes de grupos que apoiaram e participaram no evento. Entre outros, estiveram presentes ativistas de Portugal, Espanha e zonas autónomas, assim como da Argélia, França (um grupo em concreto era da Bretanha), Brasil, Alemanha, Irlanda, Reino Unido, Holanda, Roménia, Ucrânia, Curdistão e Argentina.

frackingEZdemoNo passado o movimento “Fracking EZ” tinha já conseguido que o governo Basco banisse o Fracking naquela zona autónoma, depois de uma campanha que durou 2 anos, onde se distribuiu informação às populações, se formaram grupos locais e se realizaram assembleias nas várias localidades. A campanha contou ainda com muita pressão política, assinaturas e manifestações. Como diz Mikel Otero do grupo “Fracking EZ”: “O que temos no país Basco é melhor que simplesmente banir o fracking, nenhum tipo de fraturação hidráulica pode seguir em frente devido a 3 leis – um triplo filtro – passadas no parlamento Basco que tornam o fracking impossível.”

Com a vontade e a união popular a que assistimos enquanto estivemos na Frackampada e uns dias que passámos na cidade de Vitória-Gasteiz acreditamos que a resistência vai ser muita. À entrada do acampamento fomos informados da diversidade de eventos, e rapidamente nos apercebemos que não se iria falar só da luta anti-fracking, mas também ouvir, partilhar ideias e conhecimentos sobre outras lutas e temáticas, todas elas interligadas. Falou-se então contra a extração de hidrocarbonetos através de técnicas não-convencionais, mas também de racismo, capitalismo, ocupação de terras por grandes projetos de “desenvolvimento”, feminismo, arte de intervenção, geopolítica local e mundial e, principalmente, de assembleias e resistência popular.

Sintomaticamente, o evento foi inaugurado com uma dança folk Basca. Na verdade a cultura e força bascas foram uma constante durante o evento, revelando a vitalidade de um socialismo que é de base, construído de baixo, nos bairros, nas assembleias populares e não ordenado de cima, nas assembleias nacionais. Foi dessa força que ouvimos falar durante a primeira apresentação, no dia de abertura, onde os bascos falaram de uma luta popular de defesa pela terra que dura há 40 anos, contra inúmeros projetos ligados ao setor energético, como a introdução de linhas de Alta Tensão, as centrais nucleares ou projetos petrolíferos. Ouvimos falar também de outros projetos como autoestradas, o comboio de alta velocidade (TAV) e infraestruturas turísticas de luxo. A noite acabaria com uma peça de teatro com mensagem “primitivista”, aproveitando a paisagem natural e o espaço artificial da Frackampada.

frackanpada2Já no segundo dia uma das apresentações foi organizada por grupos do Reino Unido. Todos os grupos representados eram de cariz popular e local e ouvimos falar de ocupações de terrenos onde estão planeados poços, cortes de estradas e reclamações de espaços públicos. No Reino Unido, graças a vitórias populares em várias votações ao nível autárquico, o Fracking já é proibido em alguns locais, mas existem planos para aumentar o número de locais a perfurar. No mesmo dia falaram também membros de grupos anti-fracking vindos da Argélia e da Roménia. Na Argélia, país onde a mobilização contra esta técnica tem crescido muito nos últimos meses, as ações de resistência popular são praticamente diárias. Este é um dos países fornecedores de gás natural para Portugal, onde a Partex Oil and Gas (empresa cujo capital é controlado pela Fundação Calouste Gulbenkian) participa em explorações petrolíferas. Por sua vez Maria Olteanu da Roménia salientou o aumento do número de pessoas que estão contra o Fracking na sequência da repressão exercida pelo exército sobre o movimento de oposição ao Fracking do país.

Por sua vez, Ercan Ayboga, do Curdistão, apresentou, o problema da barragem Ilisu Dam, no rio Tigre. Desde que foi lançado pelo governo Turco, há mais de uma década, este projeto tornou-se um dos investimentos hidroelétricos mais controversos  a nível mundial. A sua escala e impacto, desastrosos não só a nível ambiental mas no imediato também a nível cultural e social – o projeto exige a deslocação de mais de 70000 indivíduos e implicará a submersão de uma cidade habitada há 10000 anos – ameaçam tornar-se em mais um foco de dor e violência, numa região já envolta em tragédia. Como este explicou, a barragem de Ilisu é, para a Turquia “um investimento estratégico contra os curdos locais e o Iraque na guerra para a hegemonia 1 daquela região”. A par desta problemática Ercan também deu a conhecer as investidas de petrolíferas na Turquia e no Curdistão, bem como as iniciativas de resistência das populações locais, já com alguns anos de experiência e luta contra projetos de investimento destrutivos.

frackanpada3Ainda no mesmo dia, o grupo feminista Eje de Precariedade y Economia feminista fez-nos refletir sobre o papel do feminismo nas lutas sociais e ecológicas. A noite começou com um documentário sobre militância e horizontalidade no Pais Basco, seguido do documentário “Alfaltar Bolivia” sobre o super projeto de pavimentação de estradas, que devastará território indígena habitado. No dia seguinte ativistas da América do Sul falaram do dilema das indústrias de extração na América Latina, onde foi salientada a entrega das explorações de minerais, combustíveis, madeira e soja a multinacionais estran    geiras, tanto por governos de direita como de esquerda no poder. De forma a combater e oferecer uma alternativa a este sistema, comunidades indígenas e movimentos sociais apresentam propostas em assembleias populares e governativas, para uma transição do atual modelo “extractivista” para outros baseados na produção própria promovendo o desenvolvimento assente na sustentabilidade local e global.

Esta linha de pensamento e ação foi reforçada com os exemplos apresentados por Unai Aranguren do projeto para a soberania alimentar da Via Campesina que dura há 20 anos. Cecília Santiago 2 trouxe para cima da mesa a discussão sobre a resistência indígena em Chiapas iniciada em 1994. Na Europa as “lutas” são, na sua maior parte e de há algum tempo a esta parte, democráticas e civilizadas, ou dito de outra forma, “luta-se” muito em gabinetes e pouco nas ruas, bairros. O povo europeu prepara-se para, agora, enfrentar muitos dos mesmos problemas que comunidades indígenas espalhadas pelo mundo têm enfrentado no seu combate contra as petrolíferas. Não só os poços de gás e petróleo vão ser um problema para os europeus como também o serão todas as infraestruturas de apoio ao comércio de hidrocarbonetos. Foi isso que foi transmitido por Monica Guiteras da Network for Energy Sovereignty e Alfonso Péres do Global Debt Observatory que informaram sobre a construção de gasodutos dentro e fora da Europa para manter a estabilidade energética e económica da União Europeia. Já de noite foi apresentada uma nova peça de teatro, para desanuviar, sobre o tema do acesso à terra e a situação da mulher nesse papel primário e a importância da agro-ecologia na construção de um futuro sustentável.

fracking_2043617cO dia seguinte começou com uma palestra sobre o Tratado Transatlântico (TTIP), descrito como “O capital cai forte sobre as pessoas em favor dos interesses das elites e corporações.” O TTIP é um acordo comercial internacional que está a ser negociado secretamente – as negociações são reconhecidas mas o conteúdo está a ser mantido secreto – entre os EUA, Canadá e União Europeia, de vastíssimo alcance que visa condicionar a já de si condicionada acção dos Estados e dos seus cidadãos na defesa dos seus direitos, favorecendo decididamente a posição de poder das grandes corporações, derrubando de uma penada disposições legais e direitos que possam cercear a sua acção em todos os países signatários. Este tema já foi abordado num número anterior do Mapa.

Ficamos depois a conhecer o caso de Askapena 3, organização internacional de solidariedade basca que corre o perigo de ser ilegalizada e os muros humanos ( Herri Harresiak), iniciativa que visa apoiar ativistas procurados, na luta dos pelos seus direitos civis e políticos. Em seguida falou Giulio, da Permanente Assembly of Comahue for Water, APCA, acerca dos problemas das comunidades indígenas Mapuches na Patagónia, Argentina, concretamente em Allen (rio Negro), e na comunidade Winkul gelay Ko newen (Neuquén). A conversa foi seguida de um workshop sobre plantas medicinais. Depois assistiu-se a um debate sobre o problema da imigração. Eduardo Romero, do movimento State Campain to close CIE, falou sobre os “raides” racistas contra eimigrantes e descreveu as condições e finalidade dos Centros de Detenção e Deportação na Europa, abordando em particular o contexto repressivo da política de imigração espanhola. Nesse contexto ficamos ainda a conhecer o contrato do Estado Espanhol, de dezenas de milhares de euros, com a Air Europa e a Swift Air para fretar cerca de 150 voos, com vista à expulsão de imigrantes. Num outro âmbito – ainda que sempre interligado – e como não podia deixar de ser, uma das soluções para um futuro sustentável foi apresentada por David Gonzales da Iraun permaculture, que veio explicar o que é a permacultura. Foi seguido por Canor Walsh do Real Junk food Project, que falou sobre as 100 milhões de toneladas de comida que são deitadas para o lixo na U.E. todos os anos.

Depois de jantar descontraímos com a musica folk basca na voz de Amaia Zubiria e com o som de guitarra de Edorto Murua, seguida de uma hilariante e provocadora peça de teatro sobre o erotismo visto com um olhar reciclado, resgatando a ideia de que o prazer não é dado ou adquirido mas está em nós.

A reta final do acampamento foi iniciada com uma mesa redonda moderada pelo socialista internacionalista Oihane Garcia com o tema Governos de esquerda: alternativa? Aprender com a América Latina a lutar no nosso quintal. Em sequência teve lugar uma discussão sobre Autonomia Comunal associada a uma crítica radical do capitalismo. Apresentado pelo coletivo Euskal Herrian Autonomia Komunala, debateu-se um modelo de resistência, baseado no apoio mútuo, contraposto ao modelo de mercado atual, assente numa forma de poder popular descentralizado e autónomo, a que chamam “autonomia comunal”.

No decorrer do acampamento as crianças não foram esquecidas. Além de espaços criados para elas, o grupo Plisti-Plasta veio falar sobre educação inserida no meio ambiente. Falou-se então dos benefícios da educação ao ar livre, do seu e de outros projetos de escolas livres e do impacto da educação na sociedade e o lugar dos educadores e professores.

Como não podia faltar, representantes do grupo Forum contra Gorona 4 e da cooperativa de produção de energia de fontes renováveis Goiener lembraram o problema da energia nuclear, ainda ativa em Espanha. Falou-se em particular da central nuclear de Gorona, ativa há 40 anos assim como de várias outras e de como estas centrais representam uma ameaça direta à vida de milhões de pessoas e de longo prazo para o ecossistema, não só de Espanha, mas também português, nomeadamente através do potencial para a contaminação de cursos fluviais, entre os quais alguns ligados ao rio Tejo.

O antepenúltimo dia começou com um workshop de construção de casas nas árvores, escadas de corda e alpinismo. Como explicou Martin Shaw, vindo de Can Masdeu, Barcelona: “gosto de coisas práticas, e em ocupações de espaços, no dia-a-dia, na construção de brincadeiras para as crianças, é necessário trabalhar com cordas. Venho a encontros para ensinar e aprender”.

Também não podia faltar um workshop sobre tecnologia livre e hacktivism, movimento onde a figura do Hacker surge ao mesmo tempo como um gerador de soluções, promovendo a autonomia e criador de ferramentas, de uma perspectiva activista. Entre outras coisas, apresentaram-se ideias para a criação de meios de comunicação própria e foram construídos pequenos paneis solares, no Workshop dinamizado por uma autodidata do Reino Unido, que ensinava a fazer um painel solar de 12V totalmente D.I.Y (“Do it yourself“ ou em português: Faz tu próprio).

Durante todo o acampamento, além do restaurante “oficial” do acampamento, foi criada uma cozinha alternativa para quem quisesse cozinhar por si. Tivemos a sorte de poder cozinhar almoço e jantar num fogão e forno solar, disponibilizados pela Taer Solar, a mesma equipa que durante o encontro alimentou vários espaços de forma inteiramente sustentável apenas com recurso a energia solar e gerada por bicicletas. Em representação desta organização, foi Luiz Pérez que, com a ajuda de várias crianças fez simbolicamente “explodir” um poço de petróleo (de cartão) usando apenas lupas e luz solar.

Sobre esse episódio e a contribuição da organização para o evento, falando da importância da energia solar, da união da população e na importância da educação ecológica dos mais novos, afirmou que “isto é a prova de que se educarmos as gerações futuras, e se nos unirmos podemos parar a indústria do petróleo”.

Nessa noite fomos brindadofrackanpadas com uma banda mítica basca, os Zea Mays 5. No sábado o dia começou com a marcha contra o Fracking, de 15 km, até à cidade, onde um grupo de hip hop de intervenção marcou o ritmo. De volta ao acampamento houve tempo para jogos e danças tradicionais, dirigido pelo grupo Irrien Lagunak. A noite acabou com festa ao som das Las Tea Party. No domingo e último dia, o acampamento recebeu uma feira de produtos biológicos e alternativos, na qual participaram alguns dos agricultores biológicos que abasteceram a Cozinha de Guerrilha que cozinhou para a Frackampada.

Todos os dias de manhã e ao fim do dia houve um plenário onde todos podiam participar. Para muitos terá sido um primeiro contacto com a democracia direta, com o sentido de comunidade e participação. Destes plenários frequentemente ficou a pergunta, “Será que saberás viver em Liberdade?6.

Nos sete dias de ações, vimos muito, conhecemos ativistas em nome próprio, representantes de grupos de pressão política, de ação direta, ativistas locais, representantes de assembleias populares, funcionários de ONG’s internacionais e alguns vendedores de soluções, logótipos e impérios verdes. Só o futuro dirá que semente deixou a Frackampada, em cada um dos participantes, nos movimentos locais, nacionais ou internacionais que nela participaram ou que por esta sejam afetados.

A verdade é que vários caminhos podem ser escolhidos depois da participação num encontro como este. Muitos completam-se, alguns possivelmente anulam-se, mas fica a certeza de que só com participação e mobilização popular, local, regional e internacional, só com solidariedade e entreajuda, espírito de iniciativa, dedicação e desobediência poderemos vencer as batalhas que se avizinham.

Muito mais havia para dizer sobre este encontro no qual teremos assistido a cerca de um terço das atividades e ações, mas aqui fica um registo possível deste encontro rico, no seu espírito, nas suas contribuições e intervenientes. Para que a semente que foi a Frackampada possa chegar a outros que não puderam estar presentes e nela participar.

Nessa ótica deixamos o repto. Informa-te sobre o Fracking e sobre as outras temáticas abordadas. Conhece a resistência que se faz pelo mundo. Conhece e entra em contacto com alguém que, como tu, está disposto a trabalhar para que o Fracking pare em todo o lado, disposto a contribuir e lutar por um mundo mais justo, melhor a todos os níveis. Participa.

 

 

Notes:

  1.  Supremacia de um povo sobre outros, ou seja através da introdução de sua cultura ou por meios militares.
  2. Psicóloga e activista de Chiapas
  3. Grupo de luta pela independência.
  4. Central Nuclear com 40 anos
  5. Banda que fez a musica do vídeo sobre a okupa  Kukutza, de Bilbao.
  6. Focolitus, banda portuguesa

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