Alcácer do Sal: futuro “País resort”
A visão oficial do desenvolvimento para o Alentejo encerra-o cada vez mais como um território de vocação turística. Sendo inegável as vantagens da sua natureza, espaço e clima único na Europa, não tem existido porém qualquer discussão ou reflexão sobre o modelo de desenvolvimento implícito a essa “opção” estratégica e que irá determinar o futuro de toda a vida social e o ecossistema de um território que corresponde a cerca de 30% do país, mas onde residem pouco mais de 14% da população portuguesa.
O Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT), da iniciativa em 2006 do então Ministério da Economia e Inovação, coloca Portugal como um dos destinos de maior crescimento na Europa e o turismo como um dos motores de crescimento da economia nacional. Para extravasar a atual dependência do sector à oferta do Algarve, Lisboa e Madeira, a sua elevada sazonalidade de verão associada a uma oferta essencialmente de gama média-baixa, assim como para fazer face à concorrência mundial da procura turística, foram definidas algumas metas nacionais que implicam novas frentes de expansão territorial. Essa estratégia nacional – patente em diversos documentos de ordenamento do território, que vão desde os Planos de Pormenor e Planos Diretores Municipais, aos Planos Regionais e Nacionais – destaca o aumento da importância dos escalões etários mais elevados e com maior poder de compra, o aumento do número de viagens de curta duração e a procura de experiências diversificadas, implicando o desenvolvimento das acessibilidades e da promoção, com realização de mega-eventos e outros eventos com repercussão internacional. Já em termos de oferta Portugal concorre e diferencia-se pelos seguintes factores listados: “clima e luz; história; cultura e tradição; hospitalidade e a diversidade concentrada” (PENT). Nomeiam-se, deste modo os seus lugares comuns e insere-se por fim esse inovador conceito de “diversidade concentrada”. Conceito que pretende agrupar a diversidade regional e a multiplicidade cultural e histórica com uma oferta em que Portugal se destacaria como um “País resort” (sic) concentrando “atlântico, praia, planície, floresta, ruralidade, cidade, golfe e casinos” assim privilegiando esse conceito turístico que são os resorts.
É pois em ser um “País resort” que Portugal aposta estrategicamente o seu crescimento. E para alcançar a meta dos 20 milhões de turistas em 2015 previa-se que coubesse ao Alentejo “a maior contribuição relativa, com crescimentos anuais da ordem dos 11%”. Na região o destaque surge em torno dessa nova criação dos tempos modernos que são as Terras do Grande Lago (Alqueva), e sobretudo na aposta no Litoral Alentejano.
A criação óbvia do pólo turístico do Litoral Alentejano é justificada por um território natural ainda único onde são potenciados alguns dos produtos turísticos “estratégicos”: Sol e Mar, Touring, Golfe, Turismo Náutico, Resorts Integrados/Turismo Residencial, Saúde e Bem-Estar e Gastronomia e Vinhos. Inclui toda a linha de costa que vai de Tróia a S. Teotónio (Odemira), numa zona destacada por diversas áreas naturais protegidas. O Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo (PROT) determinou como Núcleos de Desenvolvimento Turístico na Costa Alentejana a Comporta (Alcácer do Sal), Tróia, Carvalhal, Melides e Fontainhas (Grândola), Costa de Santo André (Santiago do Cacém) e Malhão/Aivados (Odemira).
Uma costa que se inicia na península de Tróia, onde depois da herança dos anos 80 de Soltróia e sob a Torralta se instalou já o empreendimento Troiaresort, com novos blocos de apartamentos, loteamentos para moradias, casino-hotel e marina. A este verdadeiro cavalo de Tróia, de imediato se somaram outros empreendimentos turísticos totalizando só nessa península para cima de 10.000 camas. Costa abaixo – por enquanto ainda intervalados pela grande aposta imobiliária que é a Prisão de Pinheiro da Cruz (a que o PROT refere já que será “permitida a instalação de empreendimento turístico na área abrangida pelo estabelecimento prisional”) – contam-se já dois outros empreendimentos na zona de Melides: Costa Terra e Herdade do Pinheirinho. E num salto por cima da zona industrial de Sines, não faltam projetos de outros tantos resorts, como seja a “nova” Vila Nova de Milfontes na outra margem do Mira: o empreendimento de Vila Formosa.
Prendemo-nos no entanto a Norte desse Litoral Alentejano nas margens do Sado e tomemos o concelho de Alcácer do Sal como exemplo da transformação do Alentejo na meta do desenvolvimento deste “País resort” que se quer. Como referem vários Estudos de Impacte Ambientais “no que respeita ao sector turístico da região, tal como foi referido, o conjunto de projetos e intenções existentes apontam para uma profunda transformação da oferta turística no concelho de Alcácer e na sub-região, do Alentejo litoral. A oferta, baseada em empreendimentos turísticos de tipo resort, com hotelaria, componente residencial e, nalguns casos, campos de golfe, aponta para um crescimento do número de camas na ordem das 30.000, sendo 20.000 no concelho de Alcácer, no qual se situarão 6 dos 12 campos de golfe”. Na verdade essas são contas por baixo, pois como se verá adiante os números ultrapassam já as 45.000 camas calculadas nessa vaga de empreendimentos em fase de apreciação ou licenciamento.
Atualmente os alojamentos turísticos em exploração no concelho de Alcácer do Sal, excluindo os 2 parques de campismo e caravanismo existentes, somam 1384 camas, traduzidas em 17 unidades turísticas: desde as residenciais, aos apartamentos turísticos, aos Hotéis (como a Pousada no castelo de Alcácer do Sal) e aos Aldeamentos Turísticos Casas da Comporta (452 camas) e da Herdade de Montalvo (300 camas). E por contraste ainda somam-se apenas 4 únicas ofertas de turismo em espaço rural. Uma aposta diferenciada entre alojamentos de baixa e média escala com os de grande escala claramente privilegiados e que, pelo contrário, não tende a ser invertido.
É óbvio que esta oferta poder-se-á assumir como limitadora (as estatísticas oficiais de 2010 davam o número de 763 como a capacidade de alojamento nos estabelecimentos hoteleiros), mas cedo esse argumento, na senda do estimulado pelo PENT, passou dos oito aos oitenta. E se o Plano Director Municipal de Alcácer do Sal antes colidia com a ocupação turística massiva, logo o PROT procurou alterar esses limites. Mas ao introduzir um nível máximo de intensidade turística para o Alentejo Litoral, e para cada concelho, estipulado na relação de 1 cama turística por 1 habitante residente, reconhecia simultaneamente uma equação impossível de cumprir num concelho como Alcácer do Sal onde segundo os últimos Censos residiam uma população média anual de 12.771 pessoas, o que levará a uma ginástica legislativa habilidosa quanto aos níveis de intensidade turística previstos, aproveitando as cláusulas de exceção na legislação e no próprio PROT. E claro, houve ainda o “pequeno detalhe” que referia que esse nível não podia prejudicar os projetos avaliados ou vistos em planos de urbanização e de pormenor anteriores à data de entrada em vigor do PROT em 2010.
A ponta de lança da tomada de Alcácer do Sal pelos resorts é para já empunhada pelo grupo Espírito Santo, proprietário da Herdade da Comporta, levando a cabo dois empreendimentos turísticos: a Área de Desenvolvimento Turístico da Comporta (ADT2), no concelho de Alcácer do Sal, e a Área de Desenvolvimento Turístico do Carvalhal (ADT3) no concelho de Grândola e já em construção. Só no conjunto destes dois empreendimentos totalizam-se quase 11.000 camas, distribuídas por hotéis, aldeamentos turísticos e loteamentos residenciais e claro, ainda 2 campos de golf – que ainda não tendo sido construídos foram a escolha por Portugal à candidatura do maior evento de competição mundial, a Ryder Cup de 2018 (ganha pela França). Diga-se aliás que dos vários projectos previstos de campos de golfe, 58% situam-se no Alentejo.
Mas neste concelho cresce a toda a hora a listagem de novos empreendimentos. E na mesma relação de forças da situação hoje existente: de um lado contam-se cerca de 4 propostas de alojamentos locais e pequenos estabelecimentos hoteleiros e 1 único empreendimento de Turismo Rural, todos eles somando 144 camas. Do outro lado temos quase duas dezenas de projetos de empreendimentos – na sua maioria em fase de apreciação dos projetos/licenciamentos e alguns em estudos prévios – que somam para cima de 45.000 camas…
Assim para lá do já referido Projeto de Interesse Nacional (PIN) da Área de Desenvolvimento Turístico da Comporta – ADT2 (com 4937 camas e 3 golfs), temos na margem Sul do Sado a Herdade da Batalha (3370 camas); o Alcácer Vineyard Resort (1010 camas) colado à Herdade do Arêz (2244 camas e golf); a Herdade de Porches (4616 camas e golf); as Casas do Montado do Sobreiro (223 camas) e o Aldeamento Turístico de Lazer e Desporto do Alentejo (100 camas e golf). Já à volta da Vila de Alcácer o antigo Laranjal dos Citrinos de Alcácer, situado na continuidade norte da parte urbana da vila, pretende a sua reconversão num Aldeamento (Herdade do Laranjal) que de 521 camas iniciais poderá somar as 3099, e que na verdade corresponderá a um novo bairro na vila. E na restante margem sul do Sado outros tantos resorts surgirão: a Aldeia das Cegonhas (926 camas) que junta com a Aldeia de Santiago (908 camas); a Herdade da Lança (200 camas) e depois o ex libris da conquista dos arrozais que é gigantesco resort da Herdade da Barrosinha (8000 camas e golf) – batizado de Barrosinha Nature Farm Resort – e considerado em 2008 como PIN. Na margem norte do Sado a ordem da grandeza não é menor com a Herdade de Vale de Reis (5788 camas); a Herdade da Alápega (4420 camas e golf); a Herdade da Boavista e Sampaio (1540 camas); o Rio Mourinho Resort (943 camas) e o Empreendimento Turístico A (3750 camas). E resta ainda previsto no Plano de Ordenamento da Albufeira do Vale do Gaio um aldeamento turístico de 274 camas.
Todo este cenário delineado para Alcácer do Sal, coloca-o junto com a costa de Grândola, na nova meca do investimento turístico e imobiliário em Portugal, acenando a repetida senha do desenvolvimento local pelo aumento de postos de trabalho. E tal espectativa futura é como habitual acompanhada pelo discurso da “preservação de elevados níveis de sustentabilidade ambiental a nível regional, garantir elevados padrões de identidade cultural das comunidades e dos territórios e induzir uma equilibrada distribuição territorial da actividade turística na região”, como refere a propósito da tal intensidade turística máxima o PROT.
É certo que os ritmos impostos pela crise existente na finança e na banca, menos afoitos a aventuras imediatas de investimento, ditarão um passo mais lento que o calculado para este processo, mas desde a tomada de Tróia pela Sonae que este é já um processo em marcha. É inegável que ocorrerá uma profunda transformação no Alentejo Litoral. E sobre esse processo em curso “a crise” resgatou o direito ao debate, à discussão e à oposição contra aquele que se apresenta como a única solução de desenvolvimento para um concelho como Alcácer do Sal. Excepção feita a alguns textos contra vindas sobretudo do meio anarquista de Setúbal, o silêncio tem imperado.
Alcácer do Sal é um dos concelhos com mais baixa densidade populacional a nível nacional, 8,5 pessoas por Km2 em 2010, cujas famílias se concentram na sede do concelho (em 2001, correspondendo a 46,2% da população) e na vila do Torrão (4,7%), e o restante distribuído por 37 lugares de pequena dimensão, dos quais apenas a Comporta ultrapassava uma população superior a 500 habitantes. Não é pois fácil contrapor argumentos contra propostas que acenam mais emprego e perspetivas de estímulo do tecido empresarial de base local e regional. No entanto é igualmente evidente como a missão agora determinada para este território, resultará à semelhança do que aconteceu com o Algarve, na excessiva dependência ou mesmo monodependência futura em relação à atividade turística.
Uma estratégia que na verdade está já em curso e pode ser testemunhada na Herdade da Comporta. Esta é recorde-se uma zona de excelência de produção de arroz, e nesse sentido essencial para a autossuficiência nacional da de bens de primeira necessidade, isto é da alimentação. A actividade contribuiu e suporta o facto do sector primário (agricultura, silvicultura) predominar no que concerne à atividade económica e na ocupação da população: as explorações agrícolas eram em 2009, 739 sob uma superfície agrícola utilizada de 96 949 ha. Esse sector primário está hoje ameaçado pelo acossar do grupo Espirito Santo ao arrendamento rural, assim como pelas ameaças de venda do centro de secagem de Alcácer do Sal, usado por uma centena de pequenos e médios agricultores, aos grandes agrários do sector. Para o arroz interessa pelos vistos em Comporta apenas a sua mumificação no recente Museu do Arroz.
Deste modo a dependência exclusiva na aposta do turismo determinará o fim da estrutura económica agrária, já débil deste e da maior parte os concelhos do Alentejo Litoral. E quanto à inversão esperada das tendências demográficas regressivas, não deixará ainda desta fazer depender a sua estabilidade consoante a sazonalidade da atividade dos novos empreendimentos. E no que devia ser atendido antes e não depois, não está a ser minimamente considerada a qualidade de vida associada ao crescimento demográfico, uma vez que esta irá requerer novas exigências ao nível das infra-estruturas e equipamentos sociais (que a delapidada saúde é exemplo) para essas populações situadas, claro está nas periferias dos novos aldeamentos turísticos.
E uma vez apontados estes aspetos mais pragmáticos e economicistas do modelo de desenvolvimento em causa, há obrigatoriamente que questionar não o “como vai ser”, mas “o porquê”, o que realmente se pretende e qual será o custo irreparável desse “País resort”. Quais os custos que trará à paisagem, ao seu território natural e às suas identidades socioculturais.
Este conjunto de empreendimentos turísticos implanta-se em boa parte em áreas classificadas da Rede Natura 2000, rede ecológica que tem como finalidade assegurar a conservação a longo prazo das espécies e dos habitats mais ameaçados da Europa, nomeadamente do Sitio de Interesse Comunitário (SIC) da Cabrela, no interior do concelho, e no litoral os SIC Comporta-Galé e Estuário do Sado (este Zona de Proteção Especial). Porém, como é já de esperar, os estudos de impactes ambientais realizados têm possibilitado um quadro de avaliações e minimizações “tecnicamente” competentes para satisfazer as pretensões dos clientes que os encomendam e apresentar meras medidas à redução dos riscos e efeitos negativos. O que não é no entanto um garante, e muito menos um reflexo, da implementação de políticas integradas de sustentabilidade e defesa ambiental. Não será necessário recorrer ao exemplo das últimas décadas no Algarve, para reconhecer como esta tão elevada procura para a instalação de empreendimentos turísticos na região, potencia a pressão urbanística e põe em causa a preservação dos valores naturais descaracterizando a paisagem.
Todos os processos de avaliação ambiental acabam na verdade por correr a ritmos burocráticos cada vez mais curtos e delineados com vista a uma ausência de ponderação, se é que tal hipótese sujeita às orientações estratégicas e planificadas pudesse ter lugar. Processos que apenas dão cobertura “verde”, “eco”, “sustentável” a projectos que se escudam em processos de “avaliação” e “participação pública” implicitamente ineficazes.
De igual modo entre os vários aspetos associados aos impactes ambientais, não é por ser recorrente que se deve deixar passar as implicações (naturais e sociais) do abate florestal do montado, e sobretudo da degradação dos recursos hídricos da zona onde se desenvolverão os desejados resorts. Quer seja durante a construção, quer durante a exploração do projetos com a deposição e o arrastamento dos poluentes gerados, estes levam à contaminação das águas de superfície e subterrâneas, ou a alterações dos regimes naturais de escoamento. E por mais eficientes modelos do uso e tratamentos da água que possam ser apresentados isoladamente, continua a faltar uma estratégia de gestão integrada dos recursos hídricos e em particular à proteção dos aquíferos enquanto reservas insubstituíveis de água no abastecimento público.
E aqui há inevitavelmente que falar do golf, sector que pretende concentrar em Alcácer o maior número (6) dos campos previstos na região. Esse cenário irá aumentar consideravelmente a poluição difusa provocada pela adubagem agrícola sobre essas massas de água subterrânea, tal como já era elencado aos 2 campo de golf (Tróia e Montado-Palmela) apontados como agentes poluidores em 2009 na Bacia do Sado, e sobretudo irá aumentar o gasto ofensivo desse bem precioso. São os próprios relatórios da Administração da Região Hidrográfica do Alentejo que referem que “as necessidades futuras não deixarão de pressionar, como acontece atualmente, as origens subterrâneas, até por via da concentração da nova oferta turística junto à faixa litoral, onde esse tipo de origem da água é utilizado com mais frequência. No entanto, no futuro, as origens superficiais serão mais pressionadas, quer por via dos investimentos em curso pelo Grupo Águas de Portugal, quer pela inevitabilidade em regar a nova oferta de golf essencialmente com água de origem superficial, ou, em casos pontuais, com águas residuais”.
Mais concretamente, dados disponibilizados no Indymedia, atendendo os campos de golfe previstos em Alcácer do Sal e Grândola, fazem a matemática do desperdício da água: se 8 campos de 18 buracos têm um consumo diário de 5.000 metros cúbicos de água (1 metro cúbico equivalendo 1000 Litros), falamos de 5.000.000 litros diários por cada campo de golf, 40.000.000 por dia para todos eles. Já considerando a população dos dois concelhos com cerca de 30.000 habitantes, e com um consumo médio por habitante de 109 litros, teremos feitas as contas um consumo diário de 3 milhões e 270 mil litros de água por dia, contra os 40 milhões diários que os 8 golfs precisam. E os números são ao consumo diário. A restante contabilização já nem deveria servir de argumentação contra tamanho atentado feito em nome desse Turismo do Golf.
Resta por fim rebater aquele que dizem ser a principal marca deste Turismo que se define no contacto com a natureza e a cultura regional. A verdade é que a paisagem e as gentes são produtos mercantilizados postos ao serviço deste tipo de empreendimentos turísticos. Em vez de “uma integração na paisagem local” como afirmam ser os tais resorts integrados de turismo residencial, contribuem isso sim para a “descaracterização da paisagem tradicional alentejana com afetação da sua função identitária”. Os riscos são desse modo claramente assumidos em qualquer análise dos impactes cumulativos dos vários projetos, considerando que “o elevado número de turistas e o potencial crescimento de população residente constituem outros fatores que pressionarão os modos de vida e identidades locais.”
Essas alterações, é certo, serão sempre um processo natural a qualquer comunidade humana cuja sobrevivência é vivida em dinâmica e não no mero atavismo conservador da tradição. Pelo que o que aqui importa atender, e não esquecer, é que em primeiro lugar essas mudanças não são determinadas pelas comunidades, mas decretadas por planos estratégicos servindo a estatística superlativa do crescimento económico baseada esta sempre nos interesses dos grandes grupos económicos, cujas metas de lucro serão sempre tão imediatas quanto possível. Em toda essa estratégia a significância do enquadramento paisagístico e social é ditado pura e exclusivamente na medida desses interesses e dessa perspetiva financeira. A integração dos valores naturais e culturais locais é assim pré-determinada e mesmo formatada a esses objetivos. Em segundo lugar, se o significado dessas alterações “dependerá também do grau de vitalidade das comunidades locais e da sua capacidade de gerir a mudança”, resulta inquirir sobre quais são as espectativas e a coesão dessas mesmas comunidades hoje. O fim da ruralidade, não enquanto atavismo do camponês, mas como eixo de coesão social e com o entorno natural, processado na glorificação do desenvolvimento capitalista das últimas décadas, contribuiu precisamente para o desfalecimento dessa vitalidade das comunidades locais, comumente conhecido como a desertificação do país interior.
Assim essas espectativas parecem ser no mínimo desconhecidas, ou pior surdas e mudas ao futuro à imagem de um “País resort”. Um futuro que apenas serve a espectativa e o desenvolvimento à medida do que é descrito por André Jordan, empresário de topo do turismo do país, e criador da Quinta do Lago no Algarve: «Portugal é um país que tem um carro chefe que é o turismo e o imobiliário. Não adianta fingir que os moinhos de vento ou as pequenas exportações de sapatos são a solução. (…) O Algarve [como aqui o Alentejo] precisa de ter um programa muito bem desenhado que não seja discoteca na praia, mas sim programas que atraiam uma burguesia de meia-idade com alguma cultura. (…). Não sou pessimista, sou realista».
A grande tábua de salvação para o País parece assim respeitar uma questão de classes. E sobre esse clássico pressuposto classista dos ricos e dos pobres, Alcácer do Sal já leva anos de experiência. Assim às aldeias, às comunidades locais e à população resta de novo posicionar-se como peões nesse tabuleiro social aceitando as benesses de servir essa burguesia de meia-idade com alguma cultura.
Neste modelo de desenvolvimento, em torno da vila de Alcácer do Sal ou disperso pelo concelho, nascem novas aldeias na reserva e na privacidade colonial de quem procura “uma segunda habitação numa área de maior comunhão com a natureza (…) valorizando as denominações de origem protegida e da cultura local na envolvente ao aldeamento turístico, dando ênfase à saúde pública, fito terapia e perfumes, relaxamento e spa conjuntamente com arquitectura e design”, como referia uma das projectadas. Ao lado da aldeia servil, surgirá o Aldeamento Turístico, onde antes era a herdade dos Senhores. Lugares, agora “ecológicos e sustentáveis” onde se anuncia a “slow life”, que mapeiam novas aldeias da burguesia culta e rica sob o seu Sol e Mar, o verde do Golf e não dos arrozais, da Saúde e Bem-Estar, que não do centro de saúde que fechou, ou da Gastronomia e dos Vinhos gourmet o suficiente para não ser popular.
Um desenvolvimento servil que assentará ele mesmo sobre numa nova cartografia de Alcácer do Sal. E Alcácer do Sal, à imagem do futuro “País resort” será o reflexo de uma comunidade de pessoas que delegou e deixou cair nas mãos da indústria turística todo o potencial natural, económico e humano de um território, que será vendido e revendido até desaparecer.
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