Candidatura da UC a Património Mundial e o saneamento da cidade de Coimbra
Estão candidatas oficialmente, desde Janeiro de 2012, enquanto património material, a UC, Alta Universitária e a Rua da Sofia, onde se situam os 17 edifícios avaliados como detentores de grande valor patrimonial, e ainda a zona de protecção que envolve a Baixa de Coimbra e vários outros espaços circundantes da zona alvo de classificação. Quanto ao que designam de património imaterial, estão a ser candidatadas as denominadas “tradições académicas”, tais como a tomada de posse do Reitor, a abertura solene das aulas, as provas de doutoramento e os doutoramentos honoris causa e, também, o que designam por “cultura académica estudantil”, na qual incluem a festa das latas, a queima das fitas, as praxes, as serenatas e a Canção de Coimbra. Aglomeram, ainda, as Repúblicas de Coimbra, “marco simbólico e histórico” dessa dita “cultura académica”, entre outros “marcos” incluídos nesta componente imaterial da candidatura.
Alguns exemplos de patrimonialização precedidos pela UNESCO denunciam a forma como os respectivos instrumentos políticos e legislativos servem não só o propósito de revitalização, regulação e protecção do que classificam de património cultural per se, como também instituem regras respeitantes à inventariação e circulação de bens e produtos culturais, com a finalidade de incrementar o mercado turístico e as indústrias culturais, promovendo processos de gentrificação nas áreas classificadas, nomeadamente, as que compreendem “centros históricos”.
Nas sociedades contemporâneas, imiscuídas na globalização, constata-se a valorização económica do património, a re-invenção e a mercantilização de “coisas”, lugares, paisagens culturais e identidades, que se integram nas indústrias turísticas. Assim, o património é dramatizado, por exemplo, através dos monumentos, comemorações e museus que, sob uma concepção conservadora e autoritária, procedem ao tradicionalismo e folclorização reproduzidos pelas elites.
As cidades tornam-se assim rentáveis pólos turísticos, espaços altamente estetizantes, onde as artes e a cultura são “coisificadas” em produtos que rentabilizam os espaços urbanos, moldados para um olhar turístico consumista.
As directivas da UNESCO devem ser tomadas com precaução e ser alvo de críticas, pois participam da legitimação quer de uma nova ordem económica imposta, quer de políticas e concepções culturais limitadas que despoletam políticas patrimoniais de apropriação cultural pelos grupos hegemónicos e económicos, associadas a uma visão essencialista e tradicionalista de cultura, identidade e património, tal como o que se está a verificar no processo de patrimonialização em Coimbra. A candidatura da UC foi realizada sem consulta da população ou das comunidades inseridas na área que está a ser candidatada a Património Mundial. A inventariação e definição do que é considerado património cultural foi feita unicamente pelos/as peritos/as desta instituição, tendo sido ignoradas as comunidades da cidade já que não houve nenhum contactos com as pessoas. Esta candidatura constitui-se, assim, como uma imposição a estas comunidades. Aqui incluem-se as várias Repúblicas, que em momento algum foram contactadas pela UC, mas que vêm definidas na candidatura enquanto património imaterial sob uma concepção tradicionalista e praxista que não corresponde à realidade e diversidade destas comunidades.
Este processo torna-se, assim, um processo nefasto, quer para a universidade quer para a cidade, na medida em que os seus verdadeiros propósitos fundamentam-se numa visão economicista neoliberal que procede a uma remodelação e reconstrução da cidade enquanto pólo turístico no mercado globalizado e como produto aliciante da indústria turística.
Exemplo disso é o empreendimento já desenvolvido pela empresa Be-Coimbra que, através do discurso de revitalização e recuperação da Baixa de Coimbra, está a dinamizar um negócio lucrativo através da construção de hostels para estudantes do programa Erasmus e turistas, em casas antigas e onde cada quarto custa, no mínimo, 250 euros por mês. Apesar de defenderem que estão a impedir a desertificação desta zona, tal constitui uma falácia pois as pessoas que residem nestes hostels permanecem por espaços de tempo reduzidos, não estabelecendo laços com a cidade. Outra agravante é o aumento exponencial das rendas provocado, quer pela “Nova Lei do Arrendamento” que legalmente o legitima, quer pela especulação imobiliária cada vez maior. Algumas casas reabilitadas e recuperadas na zona da Alta e da Baixa têm rendas que podem ascender aos 1000 euros. Este processo em nada vem favorecer as populações locais abrangidas na área de protecção, pois não são estas o alvo de preocupação, mas sim os edifícios e monumentos, bem como a proliferação do mercado turístico, transformando esta área num espaço de exibição turística e monumental.
As populações da Alta e Baixa, constituídas maioritariamente por grupos socioeconómicos empobrecidos a viverem em prédios degradados, estão ameaçadas de despejo e deslocação devido à especulação imobiliária fruto do processo de patrimonialização que, aliado à “Nova Lei do arrendamento”, se vai “responsabilizar” pela reconstrução dos edifícios que serão transformados em habitações de luxo com rendas incomportáveis, o que tornará inviável o retorno das pessoas para as suas casas. Tal significa que aquilo que poderá ser chamado de património cultural – as comunidades sócio-culturais presentes na Alta e Baixa – irá ser totalmente descaracterizado, ou melhor, poderá desaparecer. Esta é uma situação que se verifica também noutros centros históricos como Lisboa, Porto e Guimarães e em várias cidades da Europa. Não podemos ficar indiferentes já que alguns e algumas de nós fazemos parte destas comunidades e devemos ter consciência e tomar parte activa na defesa das mesmas.
história da Alta de Coimbra mostra-nos um processo similar que teve lugar na época da ditadura salazarista, aquando da remodelação e construção de novos edifícios da universidade, sob pressupostos arquitectónicos fascistas. Nesse período assistiu-se à destruição de grande parte da Alta, várias habitações foram demolidas, incluindo Repúblicas, o que obrigou à deslocação das/os moradoras/es para outras zonas da cidade, nomeadamente para o Bairro de Celas. A UC sobrepôs-se, assim, às pessoas e à cidade como instituição e símbolo do poder. Impondo a sua presença, procedeu ao apagamento e extinção de comunidades sitas nesta área.
Actualmente, assisti-se a um processo semelhante que se mascara sob propósitos de protecção e salvaguarda patrimonial e sob a distinção de património mundial, mas que na verdade vai dar início, mais uma vez, à imposição arquitectónica e cultural da universidade sobre a cidade e a um processo de gentrificação.
Tudo isto vai beneficiar unicamente os grandes lobbys económicos, e não a população de Coimbra ou a comunidade estudantil, pois a UC vai-se dedicar a uma remodelação arquitectónica encaminhando os dinheiros de futuros subsídios da UNESCO, da União Europeia ou da UC para este fim, secundarizando o papel fundamental de uma suposta universidade pública, que deveria ser um espaço de livre de acesso ao conhecimento e não uma fundação privada preocupada apenas com a estetização dos seus edifícios e com a dinamização de actividades turísticas.
Outra questão preocupante é o facto da praxe académica estar também a ser candidatada a património mundial, definida enquanto “cultura académica estudantil”. Como se a praxe, ao longo da história da universidade, fosse uma prática generalizada e consensual e como se todas/os as/os estudantes praticassem a praxe ou com ela se identifiquem. A praxe ensina a mandar e a obedecer, através da tortura e da violência seja ela verbal ou física. Ora, a questão coloca-se: como é possível, não de todo concordando com as políticas e definições de património e cultura da UNESCO, classificar a praxe académica como património mundial?
Esta é apenas uma pequena reflexão sobre as implicações do processo de patrimonialização protagonizado pela UC. As vozes críticas e dissonantes estão silenciadas e, aparentemente, parece haver uma concordância generalizada por parte da população de Coimbra. Contudo, esta situação comporta uma série de questões e consequências nefastas para a cidade e para as pessoas que nela vivem e por ela passam, que é urgente debater, visibilizar e intervir.
Porque é que as Repúblicas perderam a razão.
Já escrevi muito neste espaço e penso que devo explicar as minhas razões.
Primeiro, eu não sou contra a existência de Repúblicas de Estudantes.
Não sou. Nunca fui.
Mas sou CONTRA que algumas REPUBLICAS rejeitam estudantes quer por razões políticas.
Sou CONTRA as REPUBLICAS que rejeitam estudantes por estes serem a favor da praxe académica.
Sou CONTRA as REPUBLICAS que tenham estudantes/residentes/repúblicos com condições financeiras para suportarem um quarto ou uma casa.
Sou CONTRA as REPUBLICAS, neste caso repúblicos, que não cumpram com as suas obrigações como por exemplo, pagarem rendas.
Sou CONTRA as REPUBLICAS que tenham repúblicos com mais matriculas que aquelas que sejam necessárias para acabar o curso – Vá, com tolerância académica de um ano.
Sou CONTRA as REPUBLICAS que tenham residentes que não sejam estudantes.
Sou CONTRA as REPUBLICAS que tenham repúblicos que não sejam estudantes da Universidade de Coimbra.
EU Sou CONTRA ESSAS REPUBLICAS.
E, infelizmente, SÃO MUITAS.
Porque isso não é uma República.
Isso, meus caros, é OKUPAÇÃO!
É oKupação de uma parte bonita da história de ser estudante de Coimbra.
É adulteração da real missão do que devem ser as repúblicas.
Durante anos, fizeram o que quiseram.
Durante anos, poderiam ter chegado acordo com os senhorios para valores razoáveis, mas não.
Durante anos, ao pagarem rendas simbólicas, melhor, durante décadas, podiam ter, hoje, um bom pé-de-meia para servir como entrada para aquisição do imóvel.
Andaram anos armados em chicos espertos, refugiando na Lei contra os senhorios, invés de criarem bases para uma sustentabilidade a longo prazo da existência da República.
Poderiam ter feito tudo isso. Tiverem tempo para isso.
Tiveram mais de 50 anos para prepararem tudo isso.
Mas não.
Agora é tarde.
Agora virou-se o feitiço contra o feiticeiro.
Agora querem pena, compreensão e compaixão.
Agora querem nos dizer que a culpa é do senhorio, quando anos após anos, décadas após décadas, o maior prejudicado foi ele.
Agora é tarde,
Agora não têm razão.