Uma gazua para abrir o Porto
O novo espaço comunitário da cidade chama-se Gazua, e quer-se auto e co-construído pelas pessoas que nela vivam.
As teclas de um piano ouvem-se pela rua de João das Regras, no Porto. As portas do número 151 abriram-se de par em par, e com elas abriu-se a Gazua. A Gazua é o novo espaço comunitário do Porto, e lá dentro há um sorridente alvoroço. Gente que sobe e desce, gente que conversa, gente que discute, gente que contempla. As paredes são altas e brancas, as portas de madeira escura, e o ambiente é invulgar para o que os portuenses estão acostumados.
Duas das salas cobrem-se de quadros e fotografias, um piano de meia-cauda agora repousa, sereno, rodeado de retratos da cidade. Nessa sala está Sandra, com um ar cansado mas satisfeito. É uma das integrantes do colectivo que dinamiza a Gazua, e fala do projecto com o coração cheio de esperança.
“É importante que as pessoas se sintam participantes na sua cidade”, sublinha, e daí a importância da Gazua. “É importante que haja um espaço que seja delas, que crie uma plataforma de participação”, e que seja iminentemente político, acredita. “As pessoas distanciaram-se da política porque se estabeleceu que a política é feita por políticos profissionais”. A Gazua vai-lhes permitir que seja um espaço “co-construído”, e com sentido comunitário.
Anabela, também ela integrante do colectivo, intervém, e acrescenta que ali “a política não é vertical, é antes horizontal”. Ambas sublinham a importância de um espaço que seja livre de lógicas comerciais para que se possa “trabalhar em comunidade” e “pôr em prática as nossas lutas, através dessa comunidade, sem estarmos dependentes do Estado”.
Sandra fala sobre os anos que passou em Barcelona, onde compreendeu verdadeiramente o que é “sentido comunitário”. “Não se esgota no anarquismo, nem se esgotou no pós-Guerra Civil”, acredita. Esse sentido comunitário é tudo o que move quem, durante dois anos, reconstruiu aquela casa e construiu a Gazua. Seja pela arte, pela música, ou pela intervenção política directa. À primeira vista não é a imagem que transparece, a avaliar pelas obras de arte que cobrem as paredes e o magnífico piano na sala ao lado, mas Sandra garante que querem “deselitizar a arte, criar a possibilidade de que se toque piano num espaço que não é elitista”. João, também ele do colectivo e que minutos antes emergira da cozinha com as mãos molhadas de água de lavar pratos, explicava que queriam romper com “os cunhadismos” da arte, e proporcionar “espaço para projectos alternativos”.
A palavra-chave para a Gazua, na opinião de Sandra, é “anti-capitalismo”. Num momento em que o Porto se vê às manchas de hosteis e Air BnBs, “a alternativa é aquela que se opõe, opores-te é construíres uma alternativa”. Existem múltiplos outros espaços comunitários no Porto, como o Rés-da-Rua e a Rosa Imunda, e a Gazua vem juntar mais elementos à discussão. Ao recusarem transformar o produto artístico e político em produto comercial, criam uma ruptura no normal funcionamento das instuitições.
Afinal, uma gazua tem uma função. E a função da Gazua vai ser abrir portas ao Porto que se têm vindo a fechar.