Laboratórios de Rendimento Básico Universal
Decorreu, de 25 a 27 de Setembro, em Lisboa, o 17.º Congresso Internacional da Basic Income European Network (BIEN), que teve lugar na Assembleia da República e no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). O Rendimento Básico Incondicional (RBI), que abordámos com olhar crítico na última edição, é uma prestação atribuída a cada cidadão, independentemente da sua situação financeira e suficiente para permitir uma vida com dignidade. Entre as diversas reflexões teóricas em torno do RBI, o Congresso focou-se na sua implementação, expondo projectos-piloto a decorrer actualmente, numa ilustração inquietante do que é o estudo da economia em laboratório – aquilo a que se chama economia comportamental ou, no caso de um campo bem mais recente, finança comportamental.
Na Finlândia decorre o primeiro projecto-piloto europeu, onde uma amostra de 2000 cidadãos recebe 570 euros por mês, ao longo de dois anos. A iniciativa foi lançada pelo governo de centro-direita e pretende combater o desemprego de longa-duração. Este é o único caso onde a participação é obrigatória para os seleccionados. Ao longo destes dois anos, os participantes podem ter outros rendimentos, mas não são obrigados a procurar nem a aceitar trabalho. Os seleccionados serão comparados com um grupo de controlo para aferir diferenças na participação no mercado de trabalho, taxa de desemprego, gastos em medicação e sistema de saúde. Em Utreque, nos Países Baixos, arranca, ainda em 2017, um projecto-piloto de dois anos impulsionado por seis municípios. Neste caso, as condições estão longe de corresponder aos ideais do RBI: num dos grupos, os cidadãos seleccionados terão de procurar emprego de forma mais intensiva do que nos actuais programas estatais.
Dois projectos-piloto decorrem em África, relembrando-nos que estamos longe de ultrapassar o paradigma assistencialista. No Quénia, a organização privada americana GiveDirectly arrancou em 2016 com um projecto-piloto numa aldeia, planeando expandir o programa a 200 aldeias das zonas rurais do país. Três grupos experimentais serão comparados com um grupo de controlo. O primeiro grupo recebe 23 dólares por mês (cerca de metade do rendimento médio nas zonas rurais) ao longo de 12 anos, o segundo grupo irá receber a mesma quantia ao longo de apenas dois anos e o terceiro irá receber de uma só vez a quantia total correspondente a dois anos. A comparação entre o segundo e o terceiro grupo permitirá perceber, por exemplo, o comportamento das pessoas perante um quadro de estabilidade com pagamentos regulares, ou um quadro de oportunidade/risco para a realização de investimentos de maior escala. No Uganda, uma outra organização privada, a belga Eight, iniciou em 2017 um projecto-piloto com todos os residentes de uma aldeia, 56 adultos e 88 crianças, com transferências digitais por telemóvel. Antropólogos da Universidade de Gante estão a analisar o sucesso escolar das raparigas, o acesso a
cuidados de saúde, empreendedorismo e desenvolvimento económico, e participação nas instituições democráticas.
Em Silicon Valley, nos E.U.A., o empreendedor e coder Sam Altman, crente no fim do trabalho devido à automação, anunciou em 2016 um projecto-piloto de RBI através da sua start-up, Y Combinator. Desinteressado em perceber os efeitos do RBI no emprego ou desemprego, Altman está interessado em estudar os efeitos mais holísticos do RBI na vida dos seleccionados. O projecto, que está em fase de arranque, irá abarcar cerca de 3000 indivíduos ao longo de três a cinco anos (dependendo do grupo experimental), que irão receber cerca de 915 euros independentemente dos seus rendimentos adicionais. O estudo irá analisar indicadores como participação no mercado de trabalho, formação, tempo passado com crianças, amigos e familiares, saúde física e psicológica, capacidade de risco e saúde financeira (que se refere a uma boa gestão do dinheiro e bom conhecimento do mercado financeiro).
Com uma aura de experimentação laboratorial expressa na própria linguagem em que os projectos-piloto são apresentados, estes estudos isolam conjuntos de indivíduos e alteram variáveis respeitantes aos seus rendimentos, procurando perceber os seus efeitos no comportamento económico-financeiro de cada um. O RBI é assim, para já, um passo fundamental na compreensão da (ir)racionalidade dos mercados.