UE – “Apoio ao desenvolvimento” desviado para “gestão de fronteiras”

1 de Junho de 2017
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A
Agenda 2030 das Nações Unidas é mais um documento consensual para, através dum «desenvolvimento sustentável», «erradicar a pobreza» até esse ano, «sem deixar ninguém para trás». Inclui um conjunto ambicioso de 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável com 169 «alvos» específicos. Foi acordada em cimeira especial das Nações Unidas em Setembro de 2015. Uma espécie de upgrade à Declaração do Milénio e seus objectivos, tão doce que faz a direita estadunidense pensar que o mundo caminha para o socialismo global.

A União Europeia, por seu lado, para além de afirmar ter dado uma contribuição «positiva e construtiva» para o documento, recebeu-o com umas boas vindas calorosas no dia da sua aprovação em plenário da ONU. Nada de anormal, se se tiver em conta que o «Consenso Europeu» para o desenvolvimento, o quadro de princípios comuns no âmbito do qual a União Europeia e os seus Estados Membros executam as respectivas políticas de desenvolvimento, assinado em Dezembro de 2005, diz basear-se nos belos «Objectivos de Desenvolvimento do Milénio». E, se estes se actualizam agora com a Agenda 2030, é lógico que o mesmo aconteça ao «Consenso Europeu».

O debate sobre essa revisão já se iniciou mas, ao invés de enviar um sinal forte de comprometimento com a Agenda 2030, o «Consenso Europeu» parece transformar-se em mais um braço da máquina da gestão de migrações e do controlo fronteiriço. Como se se baseasse, afinal, não no documento das Nações Unidas, mas num próprio, datado de 2016 e chamado Quadro de Parceria para a Migração, onde se percebia já esta mistura entre gestão de fronteiras e ajuda ao desenvolvimento, com ameaças aos países de origem ou trânsito de migrantes de redução de fundos e retirada de cláusulas de comércio preferencial, caso não colaborassem na devolução dos indesejados.

O novo «Consenso Europeu» cavalga, de facto, essa mesma ideia de usar a parte dos orçamentos destinada à cooperação e ao desenvolvimento para promover a gestão de migrações e o controlo fronteiriço e, no processo, financiar Estados e indústrias de morte. Um desvio também patente nas propostas da nova Parceria UE-África, a acordar em cimeira a decorrer em Novembro, onde a Comissão Europeia dá ênfase ao «aumento da cooperação na gestão de fronteiras, colocando em prática medidas de controlo de fluxos migratórios de entrada, saída e trânsito, reforçando a cooperação de forma a facilitar o regresso e a reintegração sustentáveis dos migrantes irregulares».

Os próprios objectivos económicos das várias parcerias que se vão desenhando entre centro e periferia globais são agora submetidos à prioridade que é conter os fluxos migratórios. Que, a serem sérios, viriam tarde. Talvez por isso, neste momento, a resposta da UE seja, como se viu, pós-apocalíptica, erguendo muros e mais muros, não importa onde nem sacrificando o quê, como que defendendo-se dum ataque zombie. Insustentável e insano são as palavras que me ocorrem.

Ilustração de José Smith Vargas

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