Penha de França em luta pela biblioteca
Poucas vezes deve ter acontecido em Portugal, mas a população da freguesia da Penha de França (Lisboa) e bairros limítrofes tentou durante mais de um ano evitar a transferência da biblioteca municipal que funcionava no centro da freguesia. A biblioteca lá mudou de sítio, perdeu centralidade e espaço autónomo para crianças e jovens, mas ganhou janelas amplas. Quem dificilmente poderá limpar a cara é a presidente da junta local (PS) que das poucas vezes que falou foi para dizer que a junta tinha direito “a um palácio como muitas outras freguesias”.
O processo surgiu disfarçadamente e de forma confusa, no momento em que por obrigação legal a Câmara Municipal de Lisboa acelerou o processo de delegação de competências nas 24 juntas de freguesia da cidade (até 2012 eram 53) e por vontade própria decidiu desmembrar a rede de bibliotecas municipais de Lisboa, a BLX. Entre avisos vários, não se percebia se a Biblioteca Municipal da Penha de França (criada em 1964 para receber os livros que já não cabiam na Biblioteca Central do Palácio Galveias) e desde então instalada no Palácio Diogo Cão, ao cimo da Calçada do Poço dos Mouros, se manteria sob tutela da Câmara ou se passaria para a junta local, como aconteceu com a Biblioteca de São Lázaro, que transitou para gestão da Junta de Freguesia de Arroios.
O que se soube, em Abril de 2014, foi que a pretexto do acréscimo de competências da Junta da Penha de França (JFPF), esta autarquia teria assinado um protocolo com a Câmara de Lisboa, por forma a receber o usufruto total do tal palácio, que tinha os serviços da junta no primeiro piso e a biblioteca no pisto térreo e numa semicave, perfeita para a miudagem brincar e saltar. Refira-se que no mesmo complexo está encerrada há mais de quatro anos a Piscina da Penha de França, que os autarcas também não conseguem esclarecer quando e em que moldes reabrirá.
Quando se começou a falar que a biblioteca teria que sair para a JFPF ocupar todo o edifício, a população, apoiada pela Assembleia Popular da Graça, começou a mexer-se e lançou não um mas dois abaixo-assinados a pedir a manutenção da biblioteca no sítio que sempre tinha ocupado. Até a BAD, associação profissional de bibliotecários e arquivistas, se meteu ao barulho em defesa da biblioteca que funcionava bem, com um público fiel, mesas cheias e um programa de actividades articulado, em instalações que tinham sido alvo de obras profundas há apenas dois anos. Entre duas concentrações à chuva, uma ida à Assembleia Municipal e cartazes colados nas ruas da Penha, a presidente socialista da JFPF (Maria Elisa Madureira) lá explicou numa reunião com moradores que queria um palácio como as outras juntas.
Foi aí que começou um processo entre o silêncio, o facto consumado e a mentira descarada. Nem o pelouro da Cultura da CML nem nenhuma das forças políticas representadas na JFPF fizeram (pelo menos em termos públicos, com cartazes nas ruas ou folhetos nas caixas de correio) a defesa da biblioteca. E foi por essa altura que se percebeu que a biblioteca passaria para uma loja da EPUL nas traseiras da escola preparatória da zona. Só que Câmara e Junta foram repetindo, para enganar eleitores, valores de área a ocupar que os envolvidos rapidamente perceberam que não eram verdade e tentaram “vender” a ideia que no novo edifício se poderia utilizar um espaço exterior – que afinal de contas é de uso comum ao prédio e que dificilmente poderá ser usado para o que quer que seja. E que a luta estava perdida.
Entre o desalento de lutar sem apoio político de nenhum lado, contra argumentos saloios e dados deturpados, a população lá se habituará ao novo espaço, inaugurado a 21 de Maio último, e a Junta de Freguesia lá continuará isolada nos seus meandros burocráticos e sem vida, lado a lado com a sua piscina vazia.
Pedro Cerejo