Da inconveniência das mortes visíveis
A meio deste mês, entre os dias 13 e 19 de Abril, mais de mil migrantes morreram em pleno Mediterrâneo. A notícia indignou a opinião pública e não permitiu que as elites políticas fingissem não saber das mortes dos que tentam sobreviver procurando solo europeu.
As últimas lágrimas institucionais tinham sido choradas em Outubro de 2013, quando cerca de 400 pessoas perderam a vida a caminho de Lampedusa. Nessa altura, a resposta do governo italiano apareceu sob a forma da denominada Operação Mare Nostrum. Acusada de despesista e de incentivar a imigração, foi recentemente substituída por uma outra operação, a Triton.
Sendo a vigilância e a protecção de fronteiras (Operação Triton) mais barata e – dizem – mais dissuasora do que a procura e o salvamento (Operação Mare Nostrum), não é menos mortífera. Pelo contrário. A Organização Internacional para as Migrações prevê a possibilidade de se chegar a 30 mil mortos em 2015, apenas no Mediterrâneo. Há uma aparente relação directa entre o nível securitário e o número de mortes. A par duma incapacidade total de reduzir o fluxo de pessoas.
A tragédia deste mês, apesar de ser um sintoma desse problema, não mudou o olhar das autoridades da União Europeia (UE). A ideia é a mesma. Não evitar mortes. Afastá-las para lá do Mediterrâneo. Levar para longe da vista a fronteira e o seu papel de protecção – violenta, se necessário – da acumulação de capital no mundo rico. Aproveitando as alturas em que a normalidade se torna visível para a tratar como emergência excepcional que legitime uma legislação ainda mais repressiva.
Um caminho que se pode ver claramente parte mais mediática das recentes decisões da UE, que ameaçam destruir os barcos dos “traficantes”. Para além de todas as implicações diplomáticas que poderá ter uma ingerência deste tipo; para além da impossibilidade de distinguir um “barco negreiro” dum mero barco de pesca; para além do cerne deste discurso apontar para que o que realmente importa não é tentar resolver as causas dum problema mas antes proteger a riqueza dos pobres que ela gera; para além disto, o facto é que, depois de mais de mil pessoas terem morrido, a resposta de quem os poderia ter salvo é aumentar o risco para quem vier a seguir.
A UE diz-se preocupada com o seu envelhecimento, ao mesmo tempo que veda o acesso aos jovens que querem entrar. Nesta hipocrisia, protege-se e assassina. Que os migrantes morram diz-lhe pouco. Que o façam de forma visível é que acha inconveniente.
[…] do Jornal MAPA este artigo assinado por Teófilo Fagundes sobre as mortes de migrantes no […]