Projecto parto na água suspenso no Hospital de Setúbal
Foi encerrado, a 11 de Julho deste ano, o único serviço público de partos dentro de água da península Ibérica, que funcionava no Hospital de São Bernardo, em Setúbal.
Após a Ordem dos Médicos ter publicado um parecer desfavorável a esta prática, o Director do Serviço de Obstetrícia do Hospital São Bernardo, em Setúbal, pede recomendações à Direcção Geral de Saúde (DGS), que responde declarando que a decisão pertence ao médico director clínico. Sabendo que se trataria de uma questão de dias, uma vez que o director já se havia mostrado contra o parto natural dentro de água, é a própria equipa de enfermagem obstétrica que encerra o serviço.
Esta acção foi recebida com descontentamento junto das mais de 4.000 pessoas que assinaram uma petição pela reabertura do serviço, a qual foi enviada à Assembleia da República, mas também por parte da Ordem de Enfermeiros (OE), que declarou oficialmente haver um atropelo à autonomia das funções que são da competência desta classe. Segundo os regulamentos oficiais das actividades dos enfermeiros, estes têm capacidade e autonomia para auxiliar o parto, não sendo em geral necessária a presença de um médico. Numa contestação escrita ao parecer da DGS, o OE argumenta que “a imersão e o parto na água, enquanto parto natural, inserem-se totalmente nas intervenções autónomas e são da competência dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (…) pelo que o aval/prescrição médica prévia é totalmente despropositado para a Ordem dos Enfermeiros e ofensivo para os enfermeiros”. Nesta mesma declaração da OE encontra-se um gráfico que demostra a taxa de sucesso dos partos naturais e os bons resultados que o serviço estava a demonstrar, seguindo os objectivos da Organização Mundial de Saúde.
Mulheres de vários pontos do país deslocavam-se a Setúbal para usufruir deste serviço, o único no Sistema Nacional de Saúde. Apesar de este ter encerrado, o parto dentro de uma piscina própria para o efeito continua a decorrer em clínicas privadas, porque não existem riscos para a saúde, desde que haja alguma vigilância e se trate de uma gravidez normal.
O parto dentro de água tem sido objecto de muitos estudos e têm-se comprovado vários benefícios, nomeadamente o alívio de dor, liberdade de movimento e maior relaxamento, o que se traduz em partos mais rápidos, menos dolorosos e com menos recursos a intervenções artificiais – como cesarianas, episiotomias, uso de fórceps, medicação, etc. Não menos importante é o direito à privacidade e o respeito pelo ritmo natural do corpo da mulher, outros benefícios deste tipo de partos.
A violência obstétrica durante o parto hospitalar, por outro lado, é uma realidade para uma grande parte das mulheres portuguesas, que estão sujeitas a práticas e regras que servem apenas para conveniência dos médicos, como por exemplo a obrigação de permanecer deitadas, não poder comer durante todo o trabalho de parto, receberem medicação intravenosa sem explicação prévia, o uso de fórceps mesmo quando a mãe prefere continuar a fazer força naturalmente, episiotomias “preventivas”, etc. O grupo Mães d’Água, responsável pela petição que circulou em Julho, tem divulgado informações sobre o assunto e reunirá com a administração do hospital a 22 de Setembro, para tentar negociar a reabertura do serviço. O contacto do grupo é partos.agua@gmail.com.
M. Lima
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