Relatos que nos chegam do Curdistão II (a continuar)

8 de Março de 2017
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6 de Março 2017. Cortamos a estrada que fazia a ligação entre Raqqa e Deir ez-Zor, a principal via de abastecimentos dos daesh e hoje vou para Este de Raqqa, para nos juntarmos novamente à operação Wrath of Euphrates. Hoje está a ser calmo e quente e a sede é tanta que dou por mim a mastigar a ponta do meu lápis, com o qual vou escrevendo as minhas experiências, para continuar a salivar e manter a boca húmida. O sabor da poeira invade a boca e sinto o estalar das pequenas partículas de areia entre os dentes. As narinas secam e os olhos ardem.

Pequenas coisas que temos como garantidas, naquela vida anterior antes de vir para aqui, há séculos atrás, não existem… Papel higiénico por exemplo! Usamos trapos, água quando disponível e no outro dia encontrei num bolso de um daesh caído, uma embalagem de toalhetes! Parecia um puto quando o encontrei, com um sorriso de orelha a orelha, com um cadáver a meus pés! A revolução é agora a minha vida, mas ninguém me disse que ia ser bela, romântica e esterilizada… Acabei por não ficar com os toalhetes, dei-o a uma companheira que apanhei a olhar para eles com ar triste e lembrou-me a minha irmã, mãe, avó…

Estamos a caminho de Raqqa e o caminho é acidentado. Na minha cabeça vou cantando “Come out and fight” , quem conhece a canção pode perceber o porquê de me lembrar dela… Os tempos que se avizinham não vão ser fáceis. Afinal de contas, ninguém me disse que a revolução ia ser bela, romântica e esterilizada. Mas mesmo assim, aqui estamos. Deixei para trás o papel higiénico, a cama confortável, a segurança da minha vida fútil no meu Porto seguro, que está sempre na minha memória. Afinal de contas “Trazemos nos nossos corações um mundo novo”!

 

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