Prédios da Almirante Reis em Lisboa recebem grades de (in)segurança

4 de Setembro de 2013
Print Friendly, PDF & Email

Na Avenida Almirante reis, em lisboa, o recente fenómeno, de fechar as entradas dos prédios através de gradeamentos tem aumentado nos últimos tempos. A instalação de grades tem sido levada a cabo por empresas que têm escritórios nos edifícios e, em certos casos, chegam a ocupar a totalidade das fachadas viradas para a avenida. Uma lógica securitária está tambem na origem deste fenómeno que não é consensual na zona.

Alguns dos prédios que ladeiam a Avenida Almirante Reis em Lisboa, entre o final da Rua da Palma até à Praça do Chile, têm sido alvo de clausura forçada por parte de algumas das empresas que possuem escritórios nessa área. Nos prédios em que desenvolvem as suas actividades têm sido colocados gradeamentos que chegam a ocupar a totalidade da área disponivel das fachadas frontais para a Avenida, numa mudança que em termos de impacto visual é imediatamente notório. Essas alterações têm sido feitas com a concordância dos senhorios e nem sempre com a concordância de todos os moradores, já que muitos dos prédios, apesar de terem escritórios, têm igualmente casas de habitação e espaços comerciais (maioritariamente nos pisos térreos defronte do gradeamento).

Alguns moradores, como a Ana (nome fictício), 65 anos, mora ali desde os anos 60, não gosta das fachadas fechadas a grades, “uma pessoa sai e vê logo o sol aos quadradinhos (ri)”, mas o “proprietário é que manda e uma pessoa vai fazer o quê?”. António (nome fictício) trabalha no ramo do calçado na zona dos Anjos em Lisboa desde os anos 50. Começou numa pequena sapataria em que trabalhou até aos anos 70 e posteriormente mudou-se para uma das poucas de cariz tradicional que ainda restam nessa mesma área. António também tem assistido a muitas mudanças ocorridas nas zonas limitrofes à avenida. Desde os tempos do cinema Lis, que trazia “muita gente das novelas” (posteriormente ao fecho do cinema o prédio pertenceu à RTP e era palco de filmagens), ao desparecimento de muitas das “casas antigas” (referindo-se às actividades tradicionais de trabalho), ao aparecimento das “casas de chineses” e ao aumento de toxicodependentes, até à mudança do presidente da câmara António Costa para a zona, muito tem mudado na sua representação do espaço urbano.

Questionado sobre a segurança/ insegurança da zona nos dias de hoje, António afirma que “a zona tem estado sossegada” e “não se sente inseguro” por aqui trabalhar, à noite “não sabe como é”, porque não mora em Lisboa, mas, apesar de chegar ao trabalho muito cedo, raramente tem noticia de que algo se tenha passado “por aí além”, daí não considerar a zona insegura: nas suas palavras, “é o que sempre foi”, e apenas o “fecho do casal ventoso trouxe os toxicodependentes”. Representações da mudança que são sobretudo morais. Quanto às grades afirma que “são porque os prédios têm lá empresas… seguradoras” e eles é que “andam a colocar as grades”, mas não sabe bem porquê, se calhar “porque andam a construir muito hotéis e andam sempre sem-abrigo a dormir debaixo dos prédios”. A outra face da opinião foi dada por Luís (nome fictício), morador no Intendente desde os anos 60, questionado sobre os gradeamentos afirma que “deviam ser todos fechados”, já que “esta zona é só ladroagem e gandulos” e uma “tristeza para os turistas que têm que mamar com isto tudo”. À pergunta se alguma vez foi assaltado ou teve problemas com os “gandulos e ladrões” afirma, “ah…não, porque eu já os conheço e eles conhecem-me e sabem que eu moro aqui”. Interessante esta relação entre proximidade e reconhecimento, elementos importantes numa relação recíproca de comunidade.

Estas mudanças no estilo arquitectónico impõem limitações no espaço e na forma como nos apropriamos do mesmo. Um espaço fechado que nem permite que nos abriguemos do sol ou da chuva, independentemente de termos uma casa para morar, oferece uma relação totalmente diferente com um espaço já de si organizado para uma determinada dinâmica social e económica. Este fecho a grades das fachadas dos prédios, independentemente da validação legal das mesmas, impõe uma lógica securitária que nem sempre cumpre os seus objectivos, mas que cria uma legitimação social para as representações do medo que em tempos de agravamento das condições de vida das pessoas é importante na sua forma de organizar o espaço em que vivem. Um exemplo. As alterações propostas 1 ao PUNHM (Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria) recentemente aprovadas, são um bom exemplo de algumas lógicas de alteração urbanística que introduzem mudanças significativas na relação das pessoas com a malha arquitectónica e com o espaço naquela zona. Interessante de referir que a audiência pública no dia 17 de Maio de 2012 para a discussão do plano teve a presença de 7 pessoas. Se esse facto se irá traduzir na discordância, no desinteresse politico e social  pelo tema, que possa posteriormente traduzir-se noutro tipo de acções locais, é o que iremos ver.

O próprio objectivo das alterações é seco e contudente, “disciplinar a ocupação, uso e transformação do solo” (p.1). De referir que estas alterações contemplam igualmente zonas junto à Avenida Almirante Reis, que é aqui o nosso foco, mas em que o conceito de historicidade é remetido para o conjunto arquitectónico de finais do séc. XVIII e não propriamente para o conjunto de prédios mais recentes, justamente aqueles em que os gradeamentos têm tomado lugar. De qualquer forma, em termos gerais, o que se propõe é tornar a Mouraria num museu urbano, procurando delimitar no espaço as caracteristicas politico-administrativas-arquitectónicas do que a política define como histórico.

Se a historicidade humana se deve à capacidade de cada um em ser agente da sua própria história, isso de pouco importa. O importante é delimitar territorialmente as pretensões de alteração pelas pessoas do espaço em que vivem e moldá-lo aos planos politicos e económicos de urbanização forçada. Até o aparecimento de novos estabelecimentos, a título de exemplo, cafés ou restaurantes, é limitada (claro que acredito que a um determinado padrão económico), e se pensarmos que recentemente reabriu a casa da Severa (fadista) como espaço museológico e de restauração de pendor turistico, temos uma imagem mais abrangente dessa alteração legal.

Prédios a serem renovados têm que obedecer a certos padrões que se adaptem não às classes sociais que agora lá residem, mas sim às classes que procuram avidamente estas “zonas históricas”, permitindo a sua acomodação. Veremos se com grades nas fachadas. Mas ainda teremos que juntar a esta questão das representações da segurança, as constantes rusgas policiais por parte da PSP e do SEF naquela zona, fazendo parar o trânsito, revistando lojas de imigrantes, interrogando-os na rua em operações que roçam o espectáculo com o propósito de criar o medo e, justamente, a insegurança de quem bastas vezes anda simplesmente a fazer pela vida. Levar comida que alguns imigrantes vendem na rua com um ameaçador “se te apanho aqui outra vez vais para a choldra”, é não saber sequer o que se entende por relativismo cultural. Se o objectivo é demonstrar força e músculo, o que também sucede é uma sensação de abuso de poder que se traduz num sentimento de insegurança para muita gente.

A reabilitação de um prédio no início da Rua da Palma para instalar uma divisão criminal da PSP também compõe o ramalhete das formas como as estruturas de poder se organizam para a mudança forçada do espaço em torno das ideias mais básicas de segurança e das lógicas económicas subjacentes. Se liberdade e segurança podem ser consideradas como importantes para o desenvolvimento e reprodução das relações humanas, importa questionar quais são os limites à nossa liberdade que um aumento ou diminuição da segurança implica e qual a relação efectiva entre estes dois conceitos na acção política e económica do Estado e dos agentes económicos. Se a instalação de grades por parte de umas quantas empresas leva a enclausurar prédios inteiros em que, quando se abre a porta da rua, o que se vê são um conjunto de barras que, em alguns prédios, ainda têm que ser abertas pelos moradores para se dirigirem para o seu quotidiano e enfrentarem a realidade, a acção política orientada para a padronização espacial torna-se ideologicamente enformada para a vigilância.

Notes:

  1. DR, 2ª Série, nº 168 de 30 Agosto 2012 que propõe alterações ao DR, 2ª Série, nº 239 de 15 Outubro de 1997 que regulamenta o PUNHM.

About the Author

Comentar

XHTML: Podes usar estas tags html: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>