Cooperativa Mula lança cantina solidária no Barreiro
Face à pandemia covid-19, a Cooperativa Mula, situada no Barreiro, decidiu cancelar todos os seus eventos culturais previstos para Março e redireccionar a sua actividade para respostas solidárias e de ajuda mútua.
Em meados de Março, a cooperativa activou vários mecanismos de solidariedade para implementar à escala local. Disponibilizaram, em parceria com o grupo “Vizinhos do Barreiro”, um serviço de voluntariado que vai à farmácia e faz compras a pessoas que têm de ficar em casa; iniciaram um serviço de entrega de cabazes semanais ao domicílio; e, dia 30 de Março, lançaram uma cantina solidária, que fornece refeições e pequenos-almoços diários, gratuitos ou por donativo livre, a mais de 70 pessoas nos concelhos do Barreiro e da Moita. A cantina funciona em regime de take-away e entregas ao domicílio, e todo o processo de confecção e entrega de comida segue um protocolo de higiene e segurança elaborado por profissionais de saúde.
De forma a complementar a informação que a cooperativa já disponibiliza nas redes sociais, o jornal MAPA fez uma entrevista, onde colocou algumas questões, sobretudo sobre a cantina solidária da Cooperativa Mula.
O que vos motivou a criarem uma cantina solidária?
Com o anúncio das primeiras medidas de confinamento e perante o cancelamento de eventos culturais (incluindo os nossos) e as primeiras notícias de pessoas com trabalhos precários a perder os rendimentos, rapidamente compreendemos que se aproximava um período de enormes dificuldades a nível económico para um número muito alargado de pessoas, e que o foco das preocupações da maioria estava praticamente todo no problema sanitário e muito pouco na crise social. Alguns de nós, em especial os ligados ao sector cultural, também o sentiram de imediato nas suas vidas. Pensando nas respostas possíveis de entreajuda, a Cantina Solidária imediatamente surgiu como a mais premente. Os primeiros dias da crise vieram dar-nos razão, pois a publicidade da iniciativa originou um número de pedidos de ajuda até superior à expectativa inicial, para além de constatarmos a morosidade e, em certos casos, a total incapacidade das entidades oficiais em dar resposta. Para além da Cantina também colaboramos com um grupo informal chamado Voluntários do Barreiro para fazer compras de alimentos e farmácia para grupos de risco e estamos a estudar outras formas de entreajuda. Estamos também a trabalhar noutras formas de construção de uma economia solidária local, como uma mercearia baseada nos princípios do comércio justo, e outras ideias talvez mais ambiciosas mas que poderão ser possíveis, desde que haja estrutura e escala para tal.
A quem é dirigida a vossa iniciativa?
Dirige-se acima de tudo a pessoas que não conseguem obter apoio por via das respostas estatais ou municipais, por não caberem nos critérios demasiado apertados que a Segurança Social exige, ou pela incapacidade de esses meios darem resposta face à dimensão dos pedidos de ajuda.
Como tem corrido? Há muita procura?
Podemos dizer que infelizmente tem corrido bem demais, no sentido que temos vindo a comprovar o que antecipámos: uma enorme procura. A cantina foi inicialmente pensada para 50 refeições e pequenos-almoços diários, mas arrancou acima da capacidade prevista, com 75. Estamos a ponderar o eventual aumento da capacidade, mas, para responder a outros casos que nos chegaram e que já não cabem na operação inicial, iniciámos um serviço de entrega de cabazes. Quanto à operacionalidade da Cantina, tudo tem corrido bem.
Há aqui uma outra questão que nos preocupa muito: é que a facilidade com que a iniciativa tem tido destaque, o número de pessoas que a elogia e que a apoia, só nos faz concluir que infelizmente não há muitas entidades não-públicas ou fora do universo das IPSS que se estejam a organizar para dar respostas deste género, ou outras igualmente essenciais.
Como se organizam?
Temos três equipas de quatro pessoas (um cozinheiro, dois ajudantes e um organizador) que rodam de três em três dias, e três estafetas diários que rodam entre uma equipa de seis, conforme a disponibilidade. As equipas são compostas por membros da Mula e voluntários. Os três organizadores compõem também uma equipa de organização e back office. Outros membros da Mula fazem serviços de recolha de donativos. Temos também um protocolo de higiene e segurança que foi elaborado por uma médica que pertence à Cooperativa, que também serve para as compras, e que disponibilizámos ao movimento associativo barreirense. A Mula também tem uma horta com cerca de 1400 metros quadrados e alguns membros têm-se dedicado a ela com enorme afinco desde que a crise começou, para que diminuamos a dependência alimentar do exterior ao máximo. Esta horta também servirá para outras pessoas da comunidade que queiram trabalhar a terra. Muito provavelmente esta equipa terá de aumentar, face ao aumento da resposta da Cantina e dos outros projectos.
Têm tido algum problema por causa das restrições impostas pelo estado de emergência?
Por enquanto não. De qualquer modo comunicámos tudo à Câmara Municipal do Barreiro e à PSP, e criámos credenciais nossas para identificar toda a gente envolvida, no caso de serem abordadas pela polícia.
Como é que a vossa própria cooperativa está a subsistir nestes tempos incertos?
Nós temos uma prestação para pagar todos os meses ao banco porque somos proprietários do edifício em que funcionamos. Retomámos uma medida dos nossos primeiros tempos, que é o pagamento da prestação entre todos os membros que podem contribuir. Temos recebido felizmente alguns donativos que têm permitido manter a Cantina Solidária em funcionamento. Apesar de existir um donativo livre para as refeições, tem sido residual.
E, por último, numa tentativa de desambiguar o significado de “solidariedade”, tantas vezes confundida com “caridade” e assistencialismo, o que é para vocês ser solidário?
A ajuda mútua, a cooperação e a solidariedade são princípios que estão na génese do nosso projecto. O que estamos a fazer neste momento de crise é apenas o que corresponde às ideias que partilhamos entre todo o grupo, sobre o que é uma sociedade mais justa e os modos para a atingir agora, face a uma situação de emergência social sem paralelo no tempo das vidas de praticamente todos nós, e também da urgência em construir modos de resistir através da cooperação e da horizontalidade.
Como se pode apoiar? Aceitamos qualquer tipo de donativo em géneros alimentares (mesmo não entrando em menus da Cantina, encaminhamos para os cabazes). O apoio mais importante é mesmo o monetário. Ajuda voluntária para o trabalho que estamos a fazer é muito bem-vinda! Para ajudar, temos os seguintes canais de contacto: facebook.com/coopmula, coopmula@gmail.com ou 917 030 867. Para donativos: IBAN PT50 0036 0014 99100079517 82, paypal: coopmula@gmail.com; mbway: 914 707 660.
Esta é a primeira publicação da série #PandemiaSolidária.
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