O lítio ou a vida
A Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (AUDCB) participou no iv encontro da ContraMINAcción, congregando esta associação residentes e emigrantes de Covas do Barroso com o intuito de travar o projecto de uma mina de lítio a céu aberto que está prevista para esta freguesia do concelho de Boticas, distrito de Vila Real.
Em Maio de 2018, a empresa Savannah Resources (sediada no Reino Unido) comprou os direitos de concessão da Mina do Barroso, uma licença para exploração de feldspato e quartzo, a uma outra empresa que os detinha até 2036, num contrato extensível por mais 20 anos. A empresa tenciona agora emendar a licença para poder explorar lítio e pretende ocupar uma área superior a 542 hectares para escavar a maior mina de lítio a céu aberto da Europa e também construir uma fábrica para processar os seus compostos.
Aproveitando o desconhecimento dos residentes, os trabalhos de prospecção já começaram por parte da Slipstream Resources (sediada em Braga e subsidiária da Savannah). Foram feitas 307 perfurações na área de prospecção e prevêem-se ainda mais. Em declarações aos jornalistas, Nélson Gomes, presidente da AUDCB, afirma que «pediam para fazer pequenos buracos, coisas simples, diziam eles, mas, quando as pessoas se aperceberam, já estava tudo destruído e as pessoas temeram que, se os mandassem parar, fossem levadas a tribunal».
A galinha dos ovos de lítio
A Savannah Resources tentou, vários meses depois, regularizar as sondagens feitas nos terrenos particulares, com uma autorização escrita que continha uma cláusula abusiva, que obrigava os proprietários a autorizar o acesso aos seus terrenos durante mais 12 meses para receber a indemnização a que tinham direito. «Hoje, os representantes da Savannah Resources ainda andam pelas portas a perguntar se alguém quer vender os terrenos, sem terem sequer licença para a exploração de lítio ou Estudo de Impacte Ambiental», contou-nos Jessica da Cruz, da AUDCB.
O frenesim da prospecção parece ter que ver com o facto de a Mina do Barroso se assumir como uma grande descoberta europeia de minério: «uma peça-chave na cadeia de valor emergente do lítio na Europa», no vocabulário empresarial da Savannah Resources. Perante as fortes perspectivas de crescimento da procura de baterias de iões de lítio para veículos eléctricos e perante a subida do preço dos compostos de lítio nos últimos anos, recria-se a altura habitual em que os interesses e os discursos das multinacionais e dos Estados se unem para um negócio de prazo limitado, independentemente da gravidade e da duração das suas consequências. E tudo o resto pouco importa.
Pouco importa se o barulho das explosões e a inevitável poluição do ar, da água, dos solos, das hortas e lameiros, com emissões de partículas finas, vão tornar a vida insuportável, ou até impossível, às cerca de 150 pessoas que vivem em Romainho, Muro e Covas, as três aldeias que formam a freguesia de Covas do Barroso e cujas casas ficam a menos de 500 metros do local onde a mina vai nascer. Pouco importa se a contaminação do solo e das águas (sabe-se que a «área de rejeitados» fica muito perto do rio e da aldeia) acabar por «dizimar», nas palavras de Fernando Queiroga, presidente da Câmara de Boticas, o mexilhão-de-rio, cuja protecção inviabilizou recentemente a construção da barragem de Padroselos, «porque é no rio Covas precisamente onde há grande parte desta espécie». Pouco importa a destruição do mosaico agro-silvo-pastoril presente no território, recentemente reconhecido pela FAO como relevante para o Património Agrícola Mundial, da paisagem e do património arquitectónico, do habitat de outras espécies ameaçadas, como o lobo ibérico, ou a criação de várias crateras profundas na rocha, que nunca poderão ser recuperadas. E pouco importa a monopolização dos recursos de água e a alteração da sua qualidade, principalmente a sul da mina, dado o consumo de mais de 390 mil metros cúbicos de água por ano para «lavar» o minério extraído): a empresa já fala em desviar o curso do rio Covas para alimentar a mina, mas diz que pode não ser suficiente.
Pouco importa, de facto. Nas regiões do país que concentram o minério, existem pelo menos 60 mil toneladas métricas, número que faz com que Portugal tenha uma das dez principais reservas de lítio do globo. «Acreditamos que a Mina do Barroso tem a maior reserva de espodumena da Europa Ocidental», lê-se num comunicado da Savannah de Maio de 2018. Os 14 milhões de toneladas de minério com 1,1 % de óxido de lítio representam mais do dobro da quantidade estimada inicialmente pela multinacional. Nas suas contas, a mina, que querem que entre em produção em 2020, deverá produzir entre 1 e 1,5 milhões de toneladas de espodumena de lítio ( num período de 13 a 23 anos), um mineral que serve para produzir sais de lítio, usados nas baterias de automóveis. Pouco importa à empresa e pouco importa ao Estado, que, sedento de investimento, tem feito de tudo para atrair capital para o já chamado «petróleo branco». Ainda há pouco, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, afirmava querer entregar a prospecção, a pesquisa e a exploração de lítio em Portugal a «um grande player internacional no sector», num regime de aparente monopólio que, segundo parece, é melhor para «garantir que conseguimos fazer isso com escala, de modo a justificar a construção de uma unidade fabril em Portugal».
De acordo com a Savannah Resources, o projecto tem um investimento previsto de 500 milhões de euros. As empresas olham para o lucro imediato, o Estado lembra-se do crescimento, dos impostos e do PIB de curto prazo, e a química acontece. Faz-se um Estudo de Impacte Ambiental (EIA) e, se alguém reparar que é de 2006 e diz respeito a uma área de exploração bastante mais pequena, propõe-se, enquanto se prepara um novo EIA, que a extracção seja considerada Projecto de Interesse Nacional (PIN) para descomplicar os processos que visam proteger o ambiente e as populações.
Unidos e atentos
A empresa propôs realmente a classificação da Mina do Barroso como PIN, mas acabou por pedir um adiamento por nove meses da reunião prevista para 21 de Janeiro deste ano na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), justificando esse pedido como «o período considerado necessário para o amadurecimento do projecto», revelou fonte da Câmara Municipal de Boticas, o que poderá significar o período para a ampliação e/ou para deixar passar a época eleitoral. De qualquer forma, a notícia fez respirar de alívio a AUDCB e toda a população de Covas do Barroso, que , no entanto, compreende o carácter potencialmente efémero desta «vitória» e promete não esmorecer nos protestos contra a exploração da mina de lítio, mesmo depois de o ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, ter garantido que não haverá exploração de lítio em Boticas sem avaliação do impacte ambiental. «Todos estamos unidos em defesa da nossa terra e da nossa gente e esperamos que os interesses económicos especulativos não se venham impor à nossa vontade e à sustentabilidade a longo prazo dos nosso recursos. […] Afinal de contas, no que diz respeito a explorar recursos naturais são sempre mais as perdas do que os lucros.» Assim se pode ler na petição pública (ainda disponível online para subscrição) com que a AUDCB pretende levar a Mina do Barroso a discussão na Assembleia da República.
Se os trabalhos de prospecção agressiva trouxeram, com a decapagem e desmontagem da vegetação para a realização de perfurações e a criação de plataformas, uma pequena imagem do que se se seguirá quantos aos danos e à alteração da paisagem, a opacidade do processo e as formas «criativas» de convencer a população não trouxeram mais do que desconfiança e oposição. Uma oposição que se explica com uma vontade real de defender o presente e, acima de tudo, o futuro: «Não temos nenhuma garantia de que as medidas de descontaminação e recuperação vão ser respeitadas pela empresa. Existe uma absoluta impunidade das empresas de mineração a nível mundial mas também em Portugal (veja-se o exemplo das minas da Panasqueira). A Savannah Resources nunca falou desta parte da recuperação», disse-nos Jessica da Cruz.
A retórica da Savannah Resources e do governo sobre a importância do lítio para a mitigação das alterações climáticas, enquanto substituto potencial dos motores de combustão, esbarra nos impactos que a mineração deste material traz sempre consigo. E sobretudo no carácter efémero do empreendimento que, no seu final, deixará para trás pouco mais do que destruição ambiental e alteração forçada do tecido social. Num país em que o secretário de Estado da Energia afirma que é preciso «consumir mais energia», um discurso em contraciclo, que proponha uma redução drástica dos padrões de consumo energético, que promova uma utilização mais comunitária da terra, que apele à progressiva diminuição da necessidade permanente de transporte individual e que informe sobre as reais consequências de alternativas como o lítio, é cada vez mais urgente.