Gulbenkian, filantropia e petróleo
Filantropia é um termo de origem grega que significa “amor à humanidade”. Diz-se que Gulbenkian foi um filantropo. Mas não se diz que criou uma corporação petrolífera bem-sucedida, ainda hoje detida na totalidade pela sua Fundação.
O termo “filantropia” foi criado por um imperador Romano, no ano de 363, pois achava que o “amor à humanidade” era a característica principal das suas atividades, como sinónimo de caridade.
A Fundação Calouste Gulbenkian, anunciada no Portal de Filantropia, apresenta-se como “criada por disposição testamentária de Calouste Sarkis Gulbenkian. Com um património de 3 mil milhões de euros, atua através de projetos próprios ou em parceria em áreas como a arte, a filantropia, a ciência e a educação distribuindo subsídios, bolsas e apoios. Tem delegações em Paris e em Londres, cidades onde Calouste Gulbenkian viveu. Em Lisboa, tem o Museu Calouste Gulbenkian, o Centro de Arte Moderna, uma biblioteca de arte, orquestra e coro como principais polos de irradiação da sua atividade cultural.” O site refere ainda que “Calouste Sarkis Gulbenkian era um generoso filantropo (…) no seu testamento (1953) deixou bem expresso o seu carácter de filantropo ao legar boa parte da sua fortuna à fundação que quis instituir.” 1
O amor à humanidade não é filantropia. Podemos ver por quem criou o termo. E também pelo exemplo de filantropia distribuído por Gulbenkian e o seu legado. A Partex Oil and Gas talvez terá sido uma das razões pela qual Gulbenkian enveredou pela filantropia. Mas o que tem Gulbenkian a ver com uma petrolífera?
Retiramos este excerto do site da Corporação: “A Fundação Calouste Gulbenkian é uma instituição privada portuguesa de utilidade pública. Os seus fins estatutários estão no campo das artes, caridade, educação e ciência. Criada pelas premissas estabelecidas numa cláusula do testamento de Calouste Sarkis Gulbenkian, os estatutos da Fundação foram aprovados em 1956. Os seus principais ativos eram a coleção de arte de Calouste Gulbenkian e os seus interesses internacionais no petróleo, principalmente a participação de 5% na Iraq Petroleum Company (…) A Fundação detem 100% da Partex Oil and Gas Group Companies”
Apesar da Fundação não fazer segredo disso, poucos são os que sabem da origem dos fundos da Fundação Gulbenkian. As coisas foram mudando quando se começou a ter conhecimento que a Partex é uma das corporações que investe na exploração de gás e petróleo em Portugal. No site da corporação ficamos também a saber que investe em explorações em Angola, Algeria e Brasil.
Sobre a exploração em Portugal pouco se sabe. O secretismo da corporação segue fielmente o modus operandi do seu fundador. Sabe-se, no entanto, que foram identificados gás de xisto, reservas pré sal, tight gas e fontes “ não convencionais”.
Este anunciado “novo petróleo” ou gás natural “não convencional” só é possível com a tecnologia que saiu das explorações Tar Sands (areias betuminosas) no Canadá: um “bom exemplo” do comportamento agressivo das corporações petrolíferas ainda hoje. As técnicas necessárias e implicadas como a Fractura Hidráulica e Prefuração Horizontal vêm multiplicar os efeitos nocivos já conhecidos da indústria petrolífera. O investimento em investigação, testes tecnológicos, matéria prima para novas tecnologias, nas infra-estruturas, no lobbying, na propaganda, nos subornos, etc., será refletido negativamente para o consumidor no preço das “energias”. O impacto negativo no ar, na água e na sociedade é já conhecido nos locais onde existem explorações como as pensadas e previstas para Portugal. E vários grupos de cidadãos e ONG ambientalistas, dos direitos humanos e dos direitos dos animais já confrontam as corporações e os seus governos com o impacto das operações para extrair gás e petróleo das chamadas “Oil Shale” (areias betuminosas, gás de xisto, pré sal, etc…).
Em Portugal a Fundação Gulbenkian é a solução para muitos investigadores nas áreas da ciência e da arte, sendo aproveitados como saída profissional para os interesses financeiros da Partex Oil and Gas. O presidente da Partex é António Costa Silva, professor no Instituto Superior Técnico de Lisboa. Todos no concelho de administração da Fundação passaram ou estão em actividade na Partex Oil and Gas.
Gulbenkian e Petróleo
Podemos ler em“Caloust Gulbenkian; uma reconstituição” de Francisco Corrêa Mendes 2 como “o jovem arménio (Gulbenkian) tinha muitos interesses e curiosidades múltiplas e interdisciplinares, nenhum se comparava com o petróleo! E eram, fundamentalmente, 3 as razões para isso. A 1ª a grande intuição do grande futuro daquele produto; a 2ª a de que se tratava do negócio da família e o melhor de todos eles; a 3ª a sua forte convicção de que havia um mar de petróleo para descobrir no imenso Império Otomano. (…)Outras das importantes áreas das cogitações de Gulbenkian foi, portanto, a económica.”
“Era a miragem do enriquecimento súbito que punha as multidões em movimento: fora assim no ouro da Califórnia, do Canadá ou da Austrália, fora exatamente assim com o petróleo de Oil Creek e de Bacau. Calouste “desgostava-se” com esta “fase” – mesmo que indispensável – e com o tumulto a que se assistira na Pensilvânia ou no Azerbeijão. Tinha uma aversão instintiva à “populaça…”. “J. D. Rockfeller completava o “quadro de valores” americano com essa compaixão pelos pobres que faz da americana a mais filantrópica sociedade do mundo e aquela também que maior necessidade produz dessa filantropia! De facto uma das eminentes características de Rockfeller foi também a completa ausência de escrúpulos nos negócios e a crueza com que esmagava impiedosamente quem ousasse atravessar-se nos caminhos da construção do seu império. Curioso paradoxo! Sempre pronto a proteger, a amparar, a salvar, os “filhos da desgraça”; sem hesitações nem réstia de misericórdia a lançar na “desgraça os filhos” daqueles que arruinava”
Gulbenkian seguiu os “quadros de valores” de filantropos petrolíferos como Rockfeller. A história da indústria do petróleo é a mesma para todas as corporações, para todos os investidores. Gulbenkian, além de não fugir à regra, foi um dos “grandes homens” do mundo petrolífero. Como todo o “bom capitalista” não olha a meios para atingir os seus fins. Conhecido em Portugal pela sua fundação filantrópica, pela sua coleção de arte, e pelo apoio científico, a verdade sobre Gulbenkian é disfarçada com um véu de nostalgia.
Gulbenkian foi empreendedor na Turkis Petroleum Company, mais tarde Iraq petroleum Company. Em 1928, Gulbenkian entrou num contrato celebrado entre a Royal Dutch Shell, Anglo Persian (agora BP), Companie Française des Pétroles (agora Total) e a Near Develoment Company (agora Exxon/Mobil). O grupo resultante desse contrato acaba por criar o “Red Line Agreement” que teve grande influência no futuro desenvolvimento das reservas petrolíferas no Médio Oriente e que levou diretamente ao presente interesse da Partex oil and Gas nos Emirados Àrabes e em Omã. Gulbenkian responsabiliza-se ainda pelo envolvimento da indústria petrolífera no México e na Venezuela. Os problemas entre a indústria das energias e as populações são ancestrais e actuais, as consequências são várias e bem documentadas. Gulbenkian estava no lado dos opressores, apoiando a declaração actual de Warren Buffet: “Existe guerra de classes, claro, mas é a minha classe, a classe dos ricos, que a fazemos, e estamos a ganhar.” 3 Em Portugal a Partex Oil and Gas tem uma participação de 20% off shore na Bacia de Peniche, juntamente com a Petrogal ( 30%) e Petrobrás (50%). As técnicas de exploração são para extração “não convencional”. E apoia todas as investigações diretamente ligadas à exploração petrolífera.
Animais, Petróleo e Gulbenkian
Só o negócio do petróleo e suas consequências no ecosistema e na vida dos animais não humanos e humanos é suficiente para o recusar como um dos pilares da sociedade humana. Mas falemos das consequências nos animais não humanos. É conhecida a pretensão da Gulbenkian construir um Biotério (centro de criação de animais para testes), juntamente com a Champalimaud. Grande parte dos testes são para cancros, e grande parte dos quais aumentaram ou surgiram depois da Revolução Industrial, instigada pela indústria do petróleo e seus subprodutos. A Shell utiliza animais para testar os seus produtos, utilizando a Huntingdon Life Sciences, conhecida por várias violações dos direitos dos animais. A American Petroleum Institute, que pagou à HLS para testar petróleo, sofreu uma forte campanha por parte da SHAC (Stop Huntingdon Animal Cruelty). E a Gulbenkian tem actualmente o seu Biotério, onde vários animais são criados para testes. Os ratos são os mais rentáveis, pelo que a Gulbenkian está no programa EMMA (European Mouse Mutant Archive), onde os preços dos ratos podem atingir 3.000 euros. Apoia ainda a investigação em organismos genéticamente modificados, utilizando-a para “fabricar” os animais transgénicos para as suas experiencias.
Numa altura em que a população mundial procura uma nova direção, que tipo de cultura queremos deixar para as gerações futuras? Crescemos, aprendendo quais são os valores e quem são os valorizados. Escolhemos entre os que a nossa cultura divulga. Mais tarde podemo-nos cruzar com uma cultura alternativa. O petróleo, as escolhas de Gulbenkian e o “laisse fair” político e cultural impedem que o mundo mude para melhor.
Quanto vale a arte? Quanto vale a Filantropia? Quanto vale a Gulbenkian?
Quanto vale o gás e petróleo? Quanto vale a Troika? Quanto vales tu?
Granado da Silva / granadodasilva@jornalmapa.pt
Notes:
- www.gulbenkian.pt e portaldafilantropia.org ↩
- Francisco Corrêa Guedes “Calouste Gulbenkian: uma reconstituição”, Lisboa : Gradiva, D.L. 1992 ↩
- afirmações do multimilionário americano warren Buffett numa entrevista ao jornal “new York times” em 2006. ↩
I have asked the Gulbenkian Foundation’s communications manager Elisabete Caramelo about the dual role of Gulbenkian as beneficiary of Partex, based in an offshore tax haven, and the Gulbenkian’s philanthropic ‘Oceans Initiative’ along the Algarve coast, the same coast where oil and gas exploration is being undertaken by a consortium which includes Partex. Needless to say she is unable to answer the questions put to her in a shameful admission of double standards.