Os tentáculos da secil

17 de Junho de 2013
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O êxito de um empreendedor ambicioso começa por ter capital para investir. Precisamos de uma boa ideia, com procura, futuro e a partir daí estuda-se como obter um produto da maneira mais rentável possível.

Suponhamos que a maneira mais rentável seria que nós mesmos fabricássemos esse produto em vez de o comprar a terceiros. Que precisamos agora? De um bom local para fabricar esse produto, da matéria prima que vem da natureza para ser transformada, da energia necessária para essa transformação, que pode ser humana e/ou mecânica e que por sua vez necessita de outra matéria prima para funcionar.

Um bom exemplo de uma empresa de alta rentabilidade é a empresa Secil, do Grupo Semapa, que se dedica à produção de cimento, o material mais consumido pelo homem depois da água. As suas fábricas encontram-se junto a pedreiras de onde se extrai a sua matéria prima: o calcário e a argila. Para esta extracção procede-se à dinamitação de lugares de pouco interesse, tais como Serras e Bosques… Uma vez extraída, a argila é transformada em Clínquer (o principal componente do cimento) por meio de fornos de altas temperaturas onde também se co-incineram vários tipos de combustível que, em parte, são biomassa produzida por outras empresas do mesmo grupo da Secil e, em parte, resíduos perigosos recuperados de outras indústrias. A co-incineração de resíduos perigosos é um serviço pago e, deste modo, não é preciso investir em energia resultando isto num aumento dos rendimentos do grupo económico..

Assim, temos uma empresa bem sucedida que de facto tem um ritmo constante de expansão e crescimento que custa a acompanhar. O seu desenvolvimento foi tão rápido que em poucos anos conseguiram absorver várias outras empresas, eliminando a concorrência e quase monopolizando a sua área de actividade. Para além de Portugal, onde conta com várias fábricas e entrepostos, continua a sua expansão além fronteiras.

Mas existe um reverso da moeda e surgiram alguns problemas. Em Setúbal, a população que parecia já descontente com a presença das pedreiras na serra da Arrábida reagiu imediatamente contra a instalação da co-incineração com protestos, manifestações e campanhas – talvez porque não queriam aceitar a ideia de viver debaixo de uma nuvem de furanos e dioxinas, altamente cancerígenos e prejudiciais para a saúde.

A consequência desta reacção traduz-se na perda de tempo, e portanto de dinheiro, assim como numa péssima reputação para esta empresa. A solução é fácil e a Secil pinta-se de verde: contratam-se uns técnicos de marketing, uns engenheiros e psicólogos do ambiente e prepara-se uma campanha de desenvolvimento sustentável fazendo crer as pessoas que esta empresa é fundamental para o desenvolvimento da região. Como? Fazendo alguns amigos,

patrocinando as associações locais e exigindo a visibilidade do emblema. Evitando que a destruição provocada pelo desenvolvimento não se veja da praia. Repovoando parte das pedreiras com plantas autóctones e situando bem visíveis ao lado da estrada os viveiros, bem assinalados, onde estas são cultivadas. Contratando empresas de estudos de impacto social e criando empresas de controlo da qualidade do ar que confirmem os valores mínimos permitidos não deixando muita margem para as dúvidas sobre os riscos da co-incineração.

Nada disto teria sido possível sem o imprescindível apoio e simpatia dos serviços prestados pelos meios de comunicação locais, dos favores dos tribunais e do governo, com especial agradecimento ao Ministério do Ambiente. Parece certamente que a Secil até faz um favor à Serra e aos cidadãos.

A Secil quer fazer acreditar que o desenvolvimento económico, enquanto gerador de riqueza, é sempre compatível com o respeito pelo património ambiental do planeta. Como se a natureza se renovasse ao mesmo ritmo da sua destruição. Como se fosse possível prolongar até ao infinito os actuais níveis de desenvolvimento/produção. Como se o consumo dos recursos naturais, proporcional ao desenvolvimento económico, pudesse ser sustentável para gerações futuras.

A ideia de progresso e desenvolvimento económico, tão cara às sociedades modernas, implica um total ordenamento do território que investe na escravatura da terra com vista à produção de riqueza para o homem. Aquelas restantes e isoladas ‘zonas verdes’ são denominadas parques, ou “parque natural”, para ser exploradas por outros sectores como o turismo, por exemplo. Este modo de vida tornou todos os lugares numa uma grande fábrica. Quer queiramos quer não dela fazemos todos parte, uns como directores outros como arquitectos e outros ainda como peões. Negoceia-se a exploração e dependência do trabalho sob o mote da prosperidade, qualidade de vida e abundância. No final, a maioria apenas trabalha para mal viver. Para continuar a funcionar, esta grande fábrica precisa tanto da mentalidade capitalista do desenvolvimento económico como daquela verde alternativa da esquerda, ou daqueles que a pretendam aperfeiçoar ou melhorar.

Não será nunca a politica que acabará com a exploração do homem e da terra. É uma boa questão o modo como cada um de nós poderia, à sua maneira, recuperar a sua autonomia e libertar-nos desta sucata.

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