Tecnologias De Controlo
A afirmação do Estado moderno tem como pilar fundamental do seu exercício a utilização do aparato tecnológico com o propósito de agilizar o controlo social. A tecnologia tornou-se fulcral para a manutenção do poder e sua extensão a cada vez mais facetas do comportamento humano. Todos os dias são lançadas no mercado novas tecnologias para vigiar, monitorizar, identificar e localizar, ao mesmo tempo que poderosos sistemas de bases de dados permitem armazenar grandes quantidades de informação, cruzar dados, fazer associações, identificar padrões. Muitos destes sistemas foram inicialmente desenvolvidos para fins militares, sendo actualmente utilizados pelas várias polícias do Estado e empresas privadas de segurança.
Entre as tecnologias de vigilância e monitorização amplamente utilizadas, a videovigilância é a que tem vindo a ganhar mais terreno nos espaços públicos e privados. Esta consiste num sistema de controlo de vídeo, formado por uma ou mais câmaras fixas ou rotativas que recolhem imagens de determinado lugar e das pessoas que aí se deslocam. A maior parte das ofertas de videovigilância existentes actualmente no mercado juntam vários tipos software ao equipamento base, funcionando em redes locais ou através da Internet, o que permite o controlo das câmaras e o visionamento das imagens à distância e em tempo real. Outras soluções incluem mesmo software para reconhecimento facial e seguimento de pessoas ou objectos.
Em Portugal, foi no contexto do Campeonato Europeu de Futebol em 2004 que se começou a considerar o uso de câmaras de vigilância na via pública. Perante um evento de “excepção”, foram adoptadas medidas a nível policial e judicial que implicaram a suspensão da legislação em vigor, suprimindo direitos individuais em nome da “segurança” colectiva. Aprovou-se assim a lei que passou a regular transitoriamente a utilização de meios de vigilância electrónica em lugares públicos. Pouco tempo depois é publicada a lei que permite a instalação de câmaras de vigilância em espaço abertos, permitindo às forças de segurança monitorizar, registar e fazer o tratamento das imagens recolhidas. Antes dessa data, dispositivos semelhantes podiam apenas ser instalados em centros comerciais, gasolineiras ou bancos, ao serviço de empresas de segurança privada. A cidade do Porto foi pioneira na implementação dum sistema de videovigilância na zona histórica da Ribeira. Seguiram-se pedidos idênticos para outras cidades e zonas do país que foram entretanto implementados. Actualmente, as câmaras de videovigilância estão presentes em lugares de consumo, lazer, na via pública, em zonas habitacionais, nos transportes públicos, nas auto-estradas. O cidadão comum muitas vezes não se apercebe que durante as suas actividades quotidianas está grande parte do tempo a ser filmado.
A PIIC (Plataforma para o Intercâmbio de Informação Criminal), projectada há vários anos e aprovada pela CNPD (Comissão Nacional de Protecção de Dados) em Janeiro passado, entra em funcionamento durante o mês de Março. Esta plataforma vai permitir à PSP, GNR, Polícia Judiciária, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e Polícia Marítima, realizarem pesquisas e partilharem informação das suas bases de dados. Segundo declarações do secretário-geral do SSI (Sistema de Segurança Interna), “a plataforma está feita, neste momento, apenas para a investigação criminal, mas o objetivo é transformá-la, numa segunda fase, numa ferramenta de prevenção”. Esta plataforma foi desenvolvida por um consórcio constituído pela Portugal Telecom e pela Critical Software, tendo um custo de cerca de 2,5 milhões de euros, sendo parte deste valor financiado pela Comissão Europeia ao abrigo do programa “Prevenir para Combater a Criminalidade”. Uma dessas bases de dados, aprovada em 2008 e actualmente em funcionamento, está na posse da Polícia Judiciária e encontra-se no INML (Instituto Nacional de Medecina Legal). É uma base de dados de perfis de ADN utilizada para efeitos de identificação civil e investigação criminal. O “google” da polícia utiliza um software designado por CODIS (Combined DNA Index System), que é o mesmo usado pelo FBI e por diversas polícias europeias, tendo sido fornecido e adaptado à legislação portuguesa pelo próprio FBI.
Juntando a esta plataforma os sistemas de informação do fisco e da segurança social, as técnicas avançadas de cruzamento e mineração de dados, as inúmeras câmaras de videovigilância implantadas em espaços públicos e privados, os sofisticados sistemas de localização por satélite… Surge uma pergunta evidente: onde é que o Estado não está presente?
A massificação do consumo e utilização de novas tecnologias pela sociedade civil também se tornou hoje uma forma voluntária de exposição de hábitos, gostos e actividades pessoais. A Internet e as redes sociais (Facebook, Twiter, Google Plus, entre outras) permitem às empresas fornecedoras desses serviços reter informação privada de milhões de utilizadores, sem garantias reais de como serão usados esses dados e a quem podem ser fornecidos. Os padrões de consumo e comportamento extraídos dessas bases de dados são a matéria-prima para novas campanhas de marketing, para novos segmentos comerciais e para a investigação criminal. Da forma idêntica, a utilização do telefone celular, de cartões electrónicos, ou dos passaportes biométricos, permite o registo, localização e identificação dos seus utilizadores. A propósito da recolha e retenção de dados, a lei actualmente em vigor obriga os provedores de comunicações a guardar pelo período mínimo de um ano os dados relativos a comunicações efectuadas por telefone, mensagens de texto, multimédia ou e-mail, podendo esses dados identificar a origem, o destino e a data dessas comunicações, incluindo a identificação pessoal dos clientes e sua localização.
Dum ponto de vista técnico, a época actual pode ser descrita como uma sofisticação constante dos mecanismos de recolha, transmissão, manipulação e armazenamento de informação. Neste contexto, as descobertas científicas e tecnológicas que permitem vigiar, monitorizar, identificar, localizar indivíduos e classificar grupos, tornaram-se indispensáveis aos governos para impor o sistema económico vigente, rumo a uma sociedade totalitária.