Atenção à direita
A ideia-base desta coluna fixa será dar, a cada novo número do MAPA, um breve panorama do que se vai passando no submundo da extrema-direita portuguesa, a tal que até há pouco não tinha representação parlamentar e que agora, ó surpresa, já tem. Mas mais do que aquilo que é bem visível até aos mais distraídos e que passará por todos os media – os achaques do novel deputado André Claro Ventura e todas as suas tentativas de cavalgar o mínimo incidente para vir agigantar um sentimento de insegurança e de desconfiança face a cada alvo que escolher («os ciganos», «os corruptos») – interessa ir rastreando, na medida do possível, a actividade de uma extrema-direita dura, que olha com desdém e agora com ressentimento para esta extrema-direita light recém-chegada, com um betinho que até vem do PPD e da social-democracia, e que do nada ultrapassou os bravos lusitanos do Partido Nacional Renovador que há tantos anos e sem sucesso tentavam passar dos 30 mil votos. Não é por isso de estranhar a choraminguice do seu kapo, José Pinto-Coelho, quando no rescaldo das Legislativas de 6 de Outubro lançou um tweet nestes termos: «Muito triste… vir um oportunista, levado ao colo pela comunicação social, cheio de dinheiro, com outdoors em todo o país, apropriando-se de parte do nosso discurso – sem convicção – rouba-nos anos de trabalho. Muito triste». Mas estas duas agremiações que se prestam ao jogo eleitoral burguês pouco interessam às falanges mais radicais, que tendem a só ser faladas quando começa ou termina um qualquer processo judicial, como o dos 37 motoqueiros dos Hells Angels presos preventivamente na sequência de um ataque a um restaurante no Prior Velho (Loures, Março de 2018) onde pacatamente almoçava o grupo (Los Bandidos) de Mário Machado, o simpático que fez furor ao ser entrevistado num programa televisivo da manhã.
A primavera/verão de 2019 foi animada para as hostes desta extrema-direita dura: a 4 de Maio, o Escudo Identitário (grupo recente, com gente jovem dada ao desporto e às romarias a Guimarães) organizou o fórum «Prisma Actual», com uma convidada vinda da Ucrânia (laboratório e campo de treinos dos grupelhos nazis de toda a velha Europa) em representação do batalhão Azov, o líder Afonso MA e um conhecido tenente-coronel aviador que devia andar perdido. O Escudo Identitário (com núcleos em Lisboa, Porto e Braga) é vagamente monotemático: a sua luta maior é contra aquilo a que chamam a «ideologia de género» e a «ditadura sexual de uma minoria», que os leva a colarem resmas de cartazes junto a escolas secundárias. Mas a Nova Ordem Social não se quis ficar atrás e em Agosto também organizou a sua conferência internacional – com problemas logísticos quando o hotel onde tinham reservado sala os deixou apeados a menos de 24 horas do início da coisa. No dia seguinte, lá foram a uma cadeia de hotéis com capitais indianos, a SANA, e as imagens e vídeos publicadas no site do arquivo Ephemera mostram o tom da charla. «Não passarão!», foi o aviso que nessa mesma tarde centenas de pessoas deixaram ao subir o Chiado.
Os grupos aqui referidos têm uma coisa em comum: não se gramam uns aos outros. No próximo texto abordaremos a única revista de extrema-direita em publicação em Portugal (não, «O Diabo» não é uma revista), uma editora e uma agência de notícias. Pelo menos, é assim que cada uma destas estruturas se apresenta. Já agora, viram a capa de «O Diabo» de 25 de Outubro (de 2019, claro)? Gritava assim na primeira página: «ECOTERRORISTAS Ambientalistas radicais são as novas brigadas vermelhas».
Texto de Vladimir