A caminho do Colapso
Entrevista a Carlos Taibo
Carlos Taibo é professor de ciências políticas na Universidade Autónoma de Madrid e autor de uma longa lista de livros sobre história, movimentos sociais, anarquismo ou decrescimento económico. Recentemente editou Colapso, uma lúcida análise das possíveis consequências do esgotamento dos combustíveis fósseis e dos caminhos que a atual sociedade tomará. A tradução e edição para português desta obra vê agora a luz do dia, numa colaboração entre o Jornal MAPA e a editora Letra Livre.
Foto de Dani Logar
O momento que atravessamos é caracterizado por alterações climáticas, transformações profundas no sistema energético, falência dos ecossistemas e uma crise social a instalar-se de forma permanente. É isto o Colapso?
Todos estes elementos configuram o momento prévio ao colapso, mas com isso não se entende que eles sejam o colapso propriamente dito. O conceito de colapso representa uma realidade irreversível em virtude da qual as instituições sociais se quebram, juntamente com os seus mecanismos de controlo e de dominação, e onde se reduzem até níveis impensáveis a satisfação e as necessidades que se descrevem, erroneamente, como básicas. No fundo evidencia-se que quando as sociedades se vão tornando mais complexas necessitam de quantidades crescentes de energia para resolver muitos dos seus problemas, num momento em que a energia falta massivamente. Dito de outra forma, na realidade presente ainda não se tornaram visíveis todas as consequências dramáticas da mudança climática e do esgotamento das matérias-primas energéticas, enquanto as estruturas tradicionais de poder perduram. Se quisermos, o momento presente pode seguir sendo descrito como um momento de crise. Quando falamos de crise damos por entendido que é possível regressar ao cenário anterior, algo que parece impensável, no entanto, em caso de colapso.
Os recentes protestos dos Coletes Amarelos em França começaram como um protesto contra o aumento do preço dos combustíveis, mas rapidamente evoluíram para colocar todo o sistema em xeque. São estes protestos uma parte desse colapso?
Não estou muito seguro. Haverá que aguardar para ver a futura deriva de um movimento como esse e outros parecidos. É certo, de qualquer forma, que uma interpretação legítima sugere que na origem de um movimento como o dos coletes amarelos está a lógica tradicional das crises, que conhecemos desde há tempos atrás. Era significativa a reivindicação principal que falava da redução do preço dos combustíveis, uma reivindicação que chocava com o pensamento de muitos daqueles que estimam que o sistema avança forçosamente para uma crise terminal que tem no esgotamento das matérias-primas energéticas o seu maior fundamento. Mas é verdade, como lembra a pergunta, que uma boa parte do movimento dos coletes amarelos está para além destas reivindicações parciais e equívocas, em proveito de uma contestação geral do sistema. De todas as maneiras, tivémos no caso espanhol, há uns poucos anos, um exemplo, o do 15M, que nos obriga a ser prudentes na hora de avaliar a dimensão contestatário-revolucionária de iniciativas desta natureza. Ainda assim, faríamos mal em desprezar as condições de movimentos de democracia de base, assembleária e horizontal, empenhadas numa rejeição sincera de lideranças, como exibe a dos coletes amarelos.
Quais as ações e ideias mais importantes para navegar nos tempos que correm?
Creio que haverá que buscar uma aproximação das pessoas e organizações que satisfaçam duas condições. A primeira sendo a aposta na autogestão em todos os âmbitos da vida. A segunda sendo a consciência dos reptos que derivam do colapso do sistema, reptos que nos obrigam a pôr sobre a mesa verbos como decrescer, desurbanizar, destecnologizar, despatriarcalizar, descolonizar e descomplexificar as nossas vidas. Creio que boa parte do nosso pensamento e da nossa ação deve surgir da firme convicção de que as pessoas comuns são muito mais conscientes do que significam estas coisas do que uma primeira leitura levaria a concluir. Se não partirmos desta convicção não estaremos a fazer outra coisa senão reproduzir velhos esquemas vanguardistas que, com tempo, têm vindo a demonstrar ter um alcance muito limitado.