Em Montemor-o-Novo há uma cooperativa que vai do prato à casa
A Cooperativa Integral Minga, em Montemor-o-Novo, promove uma economia de proximidade e é plataforma de movimentos locais autónomos nas áreas do ambiente, habitação, alimentação, educação, saúde e energia. Falámos com o Jorge Gonçalves sobre a cooperativa e alguns dos seus projetos.
Como aparece a Minga e porquê uma cooperativa integral?
Houve o Fórum de Cooperativas em Montemor-o-Novo em 2014 e chegou-se à conclusão de que havia coisas comuns que afetavam agricultores, artesãos e prestadores de serviços. Inspirados na experiência brasileira do Banco de Palmas e na Economia Solidária, pensámos em fazer alguma coisa que fosse nessa mesma direção, de apoio a pequenas atividades em substituição do consumo de produtos que vêm de fora, para gradualmente serem produzidos localmente, começando pelos bens de primeira necessidade. Mas o conceito de cooperativa integral aparece porque a ideia é abranger tudo o que é necessário para o nosso dia-a-dia, é estarmos no controlo daquilo que consumimos, dos meios de produção e de como as coisas são produzidas.
Há ressonância com a revolução integral de que fala, por exemplo, a Cooperativa Integral Catalã?
Não considero que tivéssemos grande proximidade histórica ou ideológica com o movimento da revolução integral. Quando fui ao encontro das cooperativas integrais em Moleras, fiquei muito desiludido. O método de assembleia e de decisão coletiva lá praticado… não nos revemos. Não temos de discutir tudo sobre o que toda a gente faz, nem tudo tem de ser decidido centralmente. Há momentos em que partilhas as dificuldades ou as necessidades que tens, ou os projetos que estás a querer desenvolver. Mas não tem de estar toda a gente a dar a sua opinião sobre o projeto de cada pessoa, porque tomou ou não certa decisão, desde que não vá contra certos princípios base. Nesse sentido, parece-me que somos um bocado diferentes da abordagem que eles tentam por lá.
Como decidiram organizar-se?
Quando começámos éramos poucos, éramos 8. Era um grupo de afinidade, que estava comprometido e que sempre se manteve solidário com o projeto, mas com uma limitação muito grande de tempo para dar. E depois não havia ainda uma ideia do que as coisas eram. Não havia dinheiro, uma estrutura. No início – e isto é uma reflexão que tenho cada vez mais como uma aprendizagem – eu não era produtor de nada. Eu não estava a criar uma cooperativa para ser cooperante. Eu estava a fazer uma cooperativa porque achava que podia resolver o problema das pessoas, numa espécie de assistencialismo. E isso pervertia. Não é isso que deve ser.
Como é que deve ser?
No último ano começou a aparecer gente que não estava ligada a nós afetivamente, mas que chegou à cooperativa porque precisava. Temos reuniões mensais tipo «mesa posta», trazemos comida, jantamos, às vezes há crianças, e conversamos. Estamos organizados em secções autónomas – agricultura, comercialização, serviços e habitação. E tens os associados das secções, que tomam as decisões. Agora somos cerca de 30, realmente ativos. O que está a ser interessante em termos de construção coletiva é que há conversa sobre os problemas, desde a secção agrícola, que tem muitas alfaces e não sabe o que lhes há-de fazer, à habitação, porque se quer organizar um encontro. Comunicas o que te afeta, no teu projeto autónomo, e partilham-se ferramentas de ação. Porque o problema é: as pessoas notam que alguma coisa não está bem na vida delas, na sua estrutura social, e estão à procura de outras coisas. Vão para um encontro e têm um debate, mas não têm coisas concretas que possam fazer. O que estamos agora a começar a experienciar nos últimos meses é muitas pessoas a tomarem conta de coisas. Pelo menos até agora, nunca votámos decisões. As coisas são faladas.
A Minga toma agora conta de uma horta própria?
Uma das nossas produtoras ia deixar de produzir, então arrendámos-lhe o terreno. O que mais nos moveu no início foi a questão alimentar. Somos uma comunidade rural, podemos ser um base de sustento, criar salários e ter a terra ocupada com mais do que ovelhas. Já há mais de um ano que abastecemos uma cantina escolar, e a partir de abril vamos poder abastecer outra. Eu já tinha brincado à agricultura, mas nunca tinha lidado tão de perto com a produção. Saber o quanto custam as coisas, o tempo que demoram a crescer de inverno, como escoas, se acertas na escala, se as coisas espigam antes do tempo. O que mais me espantou é que o maior custo é a apanha. Eu tenho um certo vício de economista, ‘quantas alfaces consigo apanhar numa hora?’, se eu estiver a fazê-lo, estou a contar. E há uma série de problemas que assim nos passaram a ser mais próximos, e coletivos, porque depois falamos deles.
E o que se tem feito na área da habitação?
Acima de tudo, queremos pensar uma alternativa de atribuição de direitos de propriedade. De a propriedade poder ser atribuída ao uso, ou haver uma forma de a gerir coletivamente, através de entidades como cooperativas, por exemplo – não como fizeram as cooperativas de habitação a partir dos anos 90, em que a lógica foi as pessoas construírem as casas através da cooperativa, mas, depois de pagarem a casa, venderem-na ao preço que queriam. Para quebrar isso, é importante que não seja atribuído o direito de propriedade absoluto: podes viver lá o tempo que queres, podes fazer obras, podes passar a casa aos teus filhos e um dia que saias da casa podes ser ressarcido do investimento que fizeste, mas não podes vendê-la ao preço que quiseres. Criámos um projeto para a construção de raiz, em Montemor, de um conjunto de casas habitáveis. Se tiveres uma casa nova por 30 000, não vais comprar uma ruína por 60 000. Esse conjunto de casas faria rebentar a bolha imobiliária e, assim, poder-se-ia começar a comprar as ruínas do centro histórico e a reabilitá-las. Agora houve um encontro com a Comissão para a Lei de Bases da Habitação em que estruturámos uma proposta que envolve esta questão, do direito de uso, articulada com a ideia do microcrédito. Se a alternativa é subsidiar rendas, isso aumenta a bolha, porque estás a injetar mais dinheiro no mercado – é o mesmo com o Rendimento Mínimo Incondicional. Nós aqui criaríamos um fundo de microcrédito e as pessoas iriam pagando de volta. Em última análise, se o problema da habitação estivesse resolvido em 50 anos, teria custado 0.
A longo prazo, vês o Estado sempre implicado na resolução destes problemas?
Não. Estas propostas de que falamos não precisam do Estado em si mesmo. O que me parece é que o nível de investimento é realmente muito elevado para um grupo informal de famílias. Se agora reuníssemos 1 milhão de euros emprestados, fazíamos casas para 40 pessoas, até porque podes devolver o dinheiro a quem to emprestou – uma espécie de Coopérnico 1 para a habitação. O melhor prémio para dar num sistema desse género, como faz a Coopérnico, é oferecer uma boa taxa de juro. Há poupança da parte de quem empresta. E não é impensável daqui a 3 ou 5 anos termos estrutura coletiva para isso.
Notes:
- (1) A Coopérnico é uma cooperativa portuguesa para a produção e distribuição de energias renováveis. Os membros têm a possibilidade de investir na cooperativa, ajudando a financiar pequenas centrais de produção de energia, recebendo por esse investimento um retorno através de taxas de juro. ↩