Demasiado civilizados para preservar a vida selvagem

14 de Fevereiro de 2018
Print Friendly, PDF & Email

O Reino da Noruega, país escandinavo que faz fronteira com a Suécia, banhado pelas águas gélidas do mar a que dá nome, considerado o «país mais pacífico do mundo», o «país mais feliz do mundo» ou o «país mais desenvolvido do mundo», paraíso social-democrata, com indíces de pobreza muitíssimo baixos, onde os mais pobres ganham mais do que os mais ricos de 57 países e onde as desigualdades sociais são ténues. O Reino da Noruega, país que em 16 de setembro de 2016 autorizou o abate de 70 % da população de uma espécie selvagem em via de extinção, o lobo.

Foto: Max Pixel, AFP

Imaginemos, então, que um país determina o extermínio 70 % da sua população humana, imaginemos que esse país era o Reino da Noruega, que, segundo dados estatísticos, conta com cerca 5 233 milhões de habitantes. Esse país ver-se-ia reduzido a 1 570 milhões de habitantes, um cataclismo. Mas agora imaginemos que esse país conta apenas com cerca de 68 habitantes, número de lobos recenseados em território norueguês, e que com o extermínio de 70 % dos seus habitantes passaria a contar apenas com 21 habitantes. Como podemos denominar isso? A comparação aqui entre humanos e lobos é intencional e provocatória. Como reagiriamos se soubéssemos que um país decretaria racionalmente algo assim em relação aos nossos semelhantes, seres humanos? E como podemos reagir em relação a esse mesmo extermínio racioanalizado de uma outra espécie animal em vias de extinção? O antropocentrismo que nos é inculcado desde a infância permitir-nos-ia ter alguma empatia para com animais de outra espécie como teríamos pelos nossos semelhantes? Ou será que as razões que levaram o governo norueguês a promover a caça ao lobo estão acima do próprio interesse em salvaguardar a vida de animais selvagens que correm o risco de desaparecer graças ao impacto das ações do ser humano no planeta?

E quais são, então, essas razões que levaram a essa autorização? Alegações, por parte criadores de ovelhas, de que os lobos matam os seus rebanhos enquanto estes pastam livremente, conjuntamente com diversas pressões por parte dos lóbis das indústrias que lucram com a exploração destes animais, fizeram com que o governo norueguês aprovasse a morte de até um máximo de 47 lobos, que está hoje a ser posta em prática, apesar dos avanços e recuos em tribunal causados pela contestação de diversos grupos de defesa e conservação da vida selvagem, como é o caso da World Wildlife Fund, que tentam pela via legal pôr travão a esta matança. Alegações essas desmentidas e desmistificadas por pesquisadores e ambientalistas que apontam outras causas para a morte de membros desses rebanhos, como outros predadores, doenças ou até mesmo a própria negligência dos seus criadores. O que não deixa de ser óbvio é que o nosso paradigma civilizacional e racional contrasta e entra em conflito com tudo o que é pura manifestação de vida salvagem, visto que o próprio território, e tudo o que nele habita, é determinado pela lógica do lucro, não havendo espaço para as espécies de fauna e flora que o possam pôr em causa ou que não sejam lucrativas.

Neste momento, movimentos pela defesa dos direitos dos animais, de libertação animal, de conservação da vida selvagem, entre outros, lutam para que o governo norueguês intervenha e não permita que o lupicídio se concretize por completo, apesar de este já ter sido iniciado por 100 caçadores autorizados para tal. Nos passados dias 19 e 20 de janeiro deste ano houve inclusive protestos globais, organizado em Lisboa no dia 19 pelo grupo de libertação animal Acção Directa, e que contou com algumas dezenas de pessoas. Para que a vida selvagem não seja exterminada por seres demasiado civilizados.

Pedro Morais

About the Author

Comentar

XHTML: Podes usar estas tags html: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>