Crescer água na boca
Quem viva numa grande cidade como Calcutá deve ser muito interesseiro ou muito pouco sensível para não se dar conta que o «crescimento», e com ele o inevitável «desenvolvimento», empesta. Não há no mundo desodorizante algum que possa dissimular o fedor. É por isso que podemos rir quando ouvimos o Presidente da República, na sua «mensagem de Ano Novo», afirmar: «Crescer mais não chega, é preciso crescer muito mais».
Torna-se vital e salutar submeter a debate público este preceito central da religião dominante: o crescimento económico acelerado. Este dogma dos economistas, dos políticos, dos sindicalistas foi convertido pela Propaganda em desígnio geral. Aceitou-se sem discussão que essa era coisa que se desejava. É tempo, talvez tarde demais, de abandonar essa obsessão nefasta. Não se trata de negar toda a prosperidade económica. Que a economia cresça ao mesmo tempo que a população parece ser um princípio de senso comum. Mas não é esse o caso. Este sistema económico não tem por objectivo satisfazer as necessidades, mas multiplicá-las artificialmente para aumentar os lucros de alguns poucos.
Muitas coisas devem crescer até atingir o seu tamanho ótimo: as árvores, as plantas, os animais, enfim, todos os viventes. Quando alguém atinge o seu tamanho normal e uma parte do corpo continua a crescer mais e mais denominamos essa protuberância de cancro. Uma boa parte daquilo que cresce quando a economia progride é um cancro social. A especulação aumenta a produção irracional e destrutiva, a corrupção e o desperdício, em detrimento daquilo que é necessário melhorar: a equidade social, o bem estar de todos. Uma taxa elevada de crescimento económico, que, não esqueçamos, se mede segundo o Produto Interno Bruto, mostra muitas vezes que aquilo que continua a crescer é já bastante grande – um autêntico cancro social – e que aquilo que devia melhorar diminui.
O crescimento económico produz o contrário daquilo que promete.
Também não significa mais bem estar, nem «emprego para todos», nem uma melhor eficácia na utilização dos recursos. Pelo contrário, produz miséria, ineficácia e desigualdades. Temos uma extensa experiência histórica para sustentar esse argumento. Continuar a propôr uma importante taxa de crescimento económico como projecto de sociedade é pura estupidez. É preciso atribuí-la à ignorância beata ou ao cinismo, ou a uma combinação dos dois.
A ideia de que a riqueza concentrada nas mãos de alguns acaba por se alargar à maioria das pessoas e melhorar o seu bem estar, é uma ilusão perversa sem qualquer fundamento.
Concentrar o esforço de todos no crescimento económico dissimula o objetivo perseguido: mais opulência para alguns, ao preço da miséria geral e da destruição da biosfera. É uma consequência lógica, uma vez que esta obsessão dos economistas e também do professor Marcelo nada mais faz do que aplicar ao conjunto da sociedade a exigência rigorosa do capitalismo: um capital que não cresce morre. O seu crescimento deve ser mais e mais, até ao infinito. Cultivar esta obsessão pelo crescimento é o mesmo que assinar um cheque em branco aos donos do mercado, para que o seu objetivo de acumulação de capital se faça em nome de um bem estar geral que nunca chega e que, por essa via, nunca chegará.
É hora de pôr termo ao delírio dominante. Determinadas coisas devem crescer (as crianças, as sementes…) e outras retraírem-se.
Cresçam as nossas capacidades de subsistência e a nossa autonomia vital. Cresçam os espaços e os modos de exercer as nossas liberdades. Cresçam as nossas capacidades em tomarmos iniciativas. Multipliquem-se as oportunidades propícias à Vida, particularmente para os despossuídos, a grande maioria, condenados a sobreviver. Para que este crescimento positivo se realize, é necessário que nos cresça água na boca para lutarmos pelo desaparecimento das causas de uma economia que asfixia e oprime.