Estamos a formatar um produto

Assim nasce o Parque Regional do Tua

17 de Setembro de 2016
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A 13 de Junho começou a encher a albufeira criada pela construção da barragem do Tua. Declarou-se a morte de 420 hectares do vale e de vários anos de protestos. A qualidade da água ficará para sempre comprometida, solos agrícolas roubados, habitats de espécies ameaçadas destruídos e 22 quilómetros de linha ferroviária desactivados. A locomotiva centenária da Linha do Tua já foi vendida pela CP em França, onde será usada para turismo – a Fundação Museu Nacional Ferroviário queixa-se de não ter tido conhecimento da venda, lamentando que a locomotiva não sirva o mesmo propósito na sua terra natal. Também a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) afirma não ter autorizado o início do enchimento, mas a EDP, não se deixando incomodar pelos queixumes das instituições nacionais, lá despachou o que havia a ser feito, antes que terminasse a
silly season.

Pelas desvantagens deste empreendimento – por exemplo, pelo abate de quase 20 mil sobreiros e azinheiras – o governo exigiu à EDP a criação de um projecto de mobilidade integrado – turístico e quotidiano. Não sabemos bem como será resolvida a mobilidade quotidiana dos habitantes da região, mas a mobilidade turística está nas mãos da Douro Azul, filha da Mystic Invest, uma holding portuguesa dedicada ao sector turístico que domina o sector dos cruzeiros fluviais e até dá umas cartas no turismo espacial.

Os meandros legais revelaram-se tão tenebrosos como o espaço sideral. Para trás ficaram duas providências cautelares e duas acções judiciais, apresentadas em tribunal pela Plataforma Salvar o Tua, relativas aos prejuízos ambientais da barragem e à expropriação de terrenos para a sua construção. Os processos estão ainda a decorrer. A mesma Plataforma avançou uma Acção Administrativa Especial contra a APA pela aprovação da linha de muito alta tensão. Ainda não há resposta. Foi interposto um recurso hierárquico junto do Ministro do Ambiente e Energia, Jorge Moreira da Silva, mas o prazo legal para a resposta terminou. A UNESCO, depois de muito se especular sobre os poderes desta entidade e dos seus patrimónios da humanidade, demitiu-se de qualquer responsabilidade (soube-se em Junho que para isso contribuiu a pressão de Paulo Portas e Carlos Seixas, hoje laureados consultores da Mota Engil, a empresa construtora da barragem).

Entretanto, a construção semiótica de um novo futuro arranca, onde é preciso erigir os novos símbolos de sucesso. A imagem de ambientalistas indisciplinados deve ser rapidamente substituída pela imagem dos turistas amantes da natureza. A recém-constituída Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua (ADRVT) integra os municípios de Alijó, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, Murça, Vila Flor e a própria EDP, numa associação sem fins lucrativos dedicada a promover iniciativas de valorização dos recursos endógenos e de aproveitamento das oportunidades criadas pelo Aproveitamento Hidroeléctrico de Foz Tua. Em setembro de 2013 é criado o Parque Natural Regional do Vale do Tua, financiado pela EDP, e que tem já em funcionamento rotas pedestres, para fomentar nos corações dos consumidores o amor e respeito pela natureza. “Estamos a formatar um produto”, diz o Director da ADRVT. “Agora vamos organizar isto numa lógica de pacote turístico para nos podermos apresentar no mercado e vender”. O aproveitamento Hidroelétrico da Foz Tua vem ainda enquadrado no Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico (PNBEPH), programa lançado em 2007 que, para além de todos os impactos ambientais e sociais, é ainda um desastre na realização da sua principal função, a produção de energia. De acordo com dados do projecto Rios Livres, o PNBEPH contribuirá com apenas 1.7% da eletricidade produzida em Portugal com custos muito superiores a outras alternativas. Os grandes aproveitamentos hidroelétricos representam ainda a base de um modelo energético centrado em grandes estruturas propriedade dos gigantes do setor eléctrico cuja factura ambiental e económica ficaremos a pagar durante muitos anos.

Foto de Anibal Gonçalves

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