Entrevista com Nea Guinea

8 de Junho de 2016
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O primeiro de uma série de artigos, entrevistas e reportagens com o objectivo de lançar um olhar crítico sobre o actual modelo de produção energética, a sua sustentabilidade e viabilidade no presente contexto de crise climática, ecológica, económica e social.

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A energia de base

A ideia de que estamos em pleno processo de Transição Energética, de um sistema baseado em energias fósseis para um outro composto, maioritariamente, por energias renováveis (ER), é hoje incontornável. Em grande parte, as alterações climáticas antropogénicas, a necessidade de que o aumento da temperatura média da atmosfera seja inferior a 2ºC e a consequente necessidade de abandonar os combustíveis fósseis têm sido os argumentos que acompanham a maioria dos discursos em torno desta transição. O acordo de Paris, em Dezembro de 2015, põe em evidência que as soluções vindas “de cima”, das lideranças políticas, de pouco servirão para resolver o problema do clima, uma vez que, paralelamente à assinatura deste acordo por parte dos líderes mundiais, temos assistido a uma aposta generalizada na indústria do gás com especial destaque para a criação do hub ibérico de recepção de gás com o porto de Sines à cabeça ou a aposta na exploração de gás e petróleo no Algarve.

De facto, seria muito incompleto julgar que as implicações de um sistema energético, seja ele fóssil ou renovável, se ficavam pelo impedimento de certos níveis de CO2 na atmosfera e desconsiderássemos muitas outras consequências, nomeadamente a nível económico e social. Algumas consequências da mudança de paradigma energético podem ser parcialmente deslindadas se nos debruçarmos sobre quem são os agentes que farão parte dessa mudança, bem como o tipo de sociedade a que ela nos levará. Em 2015 o investimento global em ER atingiu o recorde de 285.9 biliões de dólares (1) e hoje poucos são os que arriscam conceber um futuro sem ER. A questão é que, maioritariamente, as razões económicas e de maximização de lucro estão no topo das prioridades das grandes corporações e gigantes como a Google, o Ikea ou mesmo as empresas do ramo das energias fósseis como a BP, que apostam em força no mercado das tecnologias renováveis. A abordagem do capitalismo é fazer uso das ER de forma a manter os níveis de crescimento económico e, consequentemente, os níveis de exploração laboral e ambiental.

Existe, no entanto, um empurrão diferente que vem de um amplo leque de comunidades rurais ou urbanas, projetos, iniciativas e modos de pensar que olham para a energia e sua produção, partindo da ideia de que esta é um recurso comum, que deve ser gerido de forma sustentável, horizontal e que é uma necessidade básica. É neste ambiente heterogéneo de transformação que a transição energética, tal como todas as transições energéticas antes desta, nos chega carregada de implicações sociais, económicas e ambientais, bem como inúmeras contradições às quais não podemos fugir. Em 2014, o livro “Na espiral da energia: História da humanidade a partir do papel da energia”, da autoria do já falecido Ramon Fernandez Duran (2) e de Luis Gonzales Reyes, é editado em Espanha. Ao longo das suas páginas, entre um sem fim de outras coisas, é colocado ênfase nas implicações sociais do modelo energético quando, por exemplo, os seus autores afirmam que “as fontes energéticas marcam um determinado contexto social que não é neutro” ou concluem que “a energia vai muito para lá de um conceito físico que se mede em Jules, pois é também um elemento social, político, económico e cultural. Não se pode entender sem o contexto em que se usa e se extrai “. Afirmam também que “as renováveis estão mais distribuídas, são mais dificilmente privatizáveis, requerem tecnologias mais simples e são mais autónomas que os combustíveis fósseis ou que a energia nuclear. Isto significa que, potencialmente originam sociedades mas igualitárias, justas e sustentáveis que as energias sujas”.

Numa contribuição semelhante sobre as ER, Kolya Abramsky avança que “o processo de construir um novo sistema energético, baseado em torno de um crescente uso de energias renováveis, tem o potencial de fazer uma importante contribuição para a construção de novas relações de produção, troca e sustento que são baseadas em solidariedade, diversidade e autonomia e são substancialmente mais democráticas e igualitárias que as actuais. Além disso, a construção de tais relações é necessária de forma a evitar “soluções” desastrosas para as múltiplas e intersectadas crises financeiras, económicas e políticas”. (3) Talvez o “potencial” das ER carregue o peso de uma questão que, antes de ser técnica, seja política e social, e dependa do mundo que queremos construir. Olhemos, então, para alguns exemplos daquilo que a transição energética pode, infelizmente, ser.

A recente rejeição, no início deste ano, por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) do parque eólico de Torre de Moncorvo, em Bragança, é uma boa notícia mas não uma tendência. A APA emitiu uma declaração de impacte ambiental desfavorável relativamente à instalação de 30 aerogeradores de 120 metros de altura em plena Zona Especial de Proteção do Alto Douro Vinhateiro num investimento da multinacional irlandesa Islands com um investimento de 75M€ (4). De facto, os grandes parques eólicos têm sido motivo de conflitos ambientais e sociais desde há muito.

Um caso bem mais grave, antigo e escandaloso teve lugar na comuna de Oaxaca, México e alcançou o mundo através do documentário Somos Viento lançado em 2013 (5). O documentário narra o conflito social, económico e ambiental decorrente da instalação de 132 aerogeradores de 3MW com torres de 180 metros de altura, espaçados de 200 metros cada um. Importante para compreender a potencialidade económica do projeto é também o facto de o parque eólico estar posicionado numa das zonas com maior potencial eólico do mundo, o Istmo de Tehuantepec, uma fina faixa de terra, rodeadas por mar de ambos os lados, em Oaxaca. O projecto era da autoria da empresa Mareñas, criada especialmente para o construir com capital de empresas australianas, japonesas, holandesas e acima de tudo bancos. Alguns dados saltam ainda à vista sobre este projeto: vem enquadrado no chamado Plan-Pueblo-Panama, ou Projecto Mesoamérica, que é essencialmente um acordo de livre comércio impulsionado em 2001 pelo então presidente mexicano Vicente Fox e que tinha como um dos objetivos facilitar a gestão e execução de projectos orientados para a extração de recursos naturais na Mesoamérica, bem como interligar o oceano Atlântico e Pacífico para facilitar a exportação da produção obtida com a exploração no território através da extracção de minérios, instalação de fábricas e exploração de recursos energéticos (6). Como é visível no documentário, a resistência por parte das comunidades afectadas foi grande já que, entre muitas outras razões, a presença dos aerogeradores entrou em conflito directo com a actividade económica local, principalmente a pesca, resultando numa perda de autonomia daquelas comunidades. Por esse mundo fora, exemplos deste tipo multiplicam-se.

De facto a energia e, concretamente, o controlo sobre as infraestruturas de conversão e produção energética são sinónimo de acumulação de poder. Mas o que hoje é aparentemente possível é escolher entre concentrar esse poder nas mãos de grandes empresas que gerem gigantes parques eólicos ou nas mãos de comunidades que gerem a sua própria produção, recorrendo, por exemplo, a pequenas ou médias turbinas ou um crescente catálogo de tecnologias, modelos, métodos e ideias que diariamente surgem. É neste contexto que algumas iniciativas e projetos no campo energético põem em causa a narrativa das grandes empresas eléctricas, dos grandes projetos, do negócio da energia e da visão da energia como uma mercadoria e uma fonte de lucro. Das iniciativas de autonomia e auto-suficiência energética ao movimento das cooperativas de energia renováveis em grande expansão na Europa, passando pelos processos de produção abertos e colaborativos, das iniciativas de apropriação tecnológica ou as micro-redes comunitárias, surgem janelas de oportunidade para pensar o actual sistema energético a partir de baixo e apresentar experiências concretas. De facto, “na espiral da energia” apresenta-nos a conclusão de que “a energia vai muito para lá de um conceito físico que se mede em Jules, pois é também um elemento social, político, económico e cultural. Não se pode entender sem o contexto em que se usa e se extrai “

Nesta primeira peça olhamos para a organização Nea Guinea na Grécia a partir da entrevista com Kostas Latoufis. Nea Guinea é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 2009, com o principal objetivo de se reapropriar das necessidades do quotidiano em termos de comida, saúde, energia, habitação e roupa. Desde então, a organização tem estado a operar vários projetos nos quais desenvolve diferentes práticas e técnicas alternativas enquanto ferramentas para aumentar a auto-suficiência e resiliência de pessoas e comunidades na Grécia. O projeto tem como objetivo informar, educar, encorajar e apoiar pessoas a redefinir as suas práticas diárias e tornarem-se activamente envolvidas em diferentes processos de produção, de forma a cobrir as suas necessidades, baseando-se no conhecimento individual e colectivo, e nos recursos locais, de forma a tornarem-se menos dependentes dos bens e serviços do mercado industrial global.

Entrevista com Kostas Latoufis e Nea Guinea

energia de base 03Nos últimos anos, entre outras coisas, a NG tem-se dedicado à construção, estudo, desenvolvimento e divulgação de pequenas turbinas para a produção de energia eólica. Qual é o potencial destas pequenas turbinas? Podem conferir autonomia energética a comunidades rurais e isoladas? Podem também funcionar em meio urbano?

As pequenas turbinas eólicas construídas nos workshops da Nea Guinea são, tipicamente, parte de sistemas híbridos off-grid (7) com uma capacidade instalada de fontes de energia renovável (FER) até 10 kW. Estes sistemas são, normalmente, constituídos por um gerador PV (fotovoltaico), cujo tamanho depende do recurso eólico disponível, um banco de baterias de chumbo-ácido, um inversor/carregador e, possivelmente, um gerador a diesel para servir de backup ao sistema de energia renovável. Estas pequenas turbinas eólicas, fabricadas localmente, têm rotors cujo diâmetro da pá têm entre 1.2 a 7 metros e são capazes de produzir uma potência entre 200W e 4kW, respectivamente, para velocidades do vento de 10 m/s. Estes sistemas de energia renovável off-grid produzem eletricidade suficiente para alimentar uma quinta, em termos de refrigeração, iluminação, ferramentas eléctricas, comunicações e uma máquina de lavar roupa. Tipicamente estes sistemas são usados para eletrificar aldeias nos países do Sul (8), onde os níveis de eletrificação rural são bastante baixos. Nestes casos, os sistemas podem providenciar eletricidade para iluminação doméstica e refrigeração comunitária, bem como outras aplicações, de forma a aumentar a actividade económica local e providenciar serviços básicos de saúde e educação. As turbinas de eixo horizontal não são comuns em espaços urbanos devido à grande turbulência causada pelos edifícios. Turbinas de eixo vertical são mais frequentemente usadas, mas com uma produção energética menor que a esperada já que o vento é desacelerado devido à rugosidade dos edifícios, o que faz com que transporte pequenas quantidades de energia.

As pequenas turbinas eólicas são desenvolvidas partir do desenho Open-Source (9) de Hugh Piggot (10). Que importância têm os sistemas de partilha Open-Source e o conhecimento aberto na divulgação e no sucesso deste projecto?

As pequenas turbinas eólicas que são descritas nos manuais de construção escritos por Hugh Piggot não estão sujeitas a nenhuma patente. Isto significa que qualquer um as pode fabricar para qualquer propósito e pode fazê-lo livremente. Adicionalmente, os manuais de construção têm direitos de autor e são vendidos pelo próprio autor mas a um preço baixo e com um critério social. Estas duas características tornaram o seu design muito popular entre hobbyists, entusiastas do DIY (11) e praticantes da apropriação de tecnologia nos países do Sul. A isto junta-se obviamente o facto de que as máquinas produzidas com este design se comportarem muito bem no terreno e a manutenção poder ser facilmente realizada pelos utilizadores. Durante a década passada, desde a primeira edição do manual do design por Hugh Piggot, emergiu uma rede global de fabricantes de pequenas turbinas eólicas que desenvolve a tecnologia de uma forma colaborativa e baseada no feedback dos próprios utilizadores. Além disso, uma associação ao nível global chamada Wind Empowerment foi criada para facilitar este processo. O processo é apenas uma pequena parte do movimento Open Hardware (Hardware aberto) em todo o globo que, desde impressoras 3D (12) até maquinaria para agricultura (13), e desde espaços Hacker/Maker (14) até oficinas cooperativas, está a tentar desenvolver um modelo alternativo para desenhar e fabricar produtos tecnológicos. Este movimento assemelha-se ao movimento do Software Livre e Aberto e está centrado em desenhar globalmente e produzir localmente.

A energia eólica, através das suas grandes instalações turbinas multi-MW, além de criar grandes impactos ambientais gera, frequentemente, grandes conflitos entre as empresas promotoras e as comunidades afectadas pelos projectos. As pequenas turbinas eólicas podem ser uma alternativa de produção local à produção massiva ou servem apenas para conceder acesso à electricidade a comunidades isoladas?

energia de base 02Ambas as tendências estão a ter lugar e a energia eólica está a ir nos dois caminhos. Os grandes negócios na casa dos Mega-Watt (MW) estão, maioritariamente, a deslocar-se para o offshore onde existem bons ventos e menos resistência local, mas custos maiores, já que a maioria dos bons locais para a instalação de turbinas multi-MW em terra foram já ocupados. Entretanto, no continente, a propriedade municipal e comunitária de infra-estruturas de energias renováveis está ganhar terreno, especialmente no Norte da Europa, onde tem uma história mais longa. Cooperativas de energias renováveis na Europa (15) estão a expandir-se em termos de números e aplicações, e providenciam uma perspetiva viável para um modelo de produção energético renovável orientado para a participação comunitária e os recursos comuns. Claro que estas duas tendências são antagónicas entre si até um certo ponto e são mais a materialização do discurso público/privado, com o público a representar mais a ideia da gestão comunitária dos recursos comuns, do que a ideia da regulação estatal. Neste sentido, à medida que o capitalismo neo-liberal toma a forma de uma vasta privatização, pelo menos na Europa, está nas mãos das cooperativas de energia tentar comunalizar a produção de energia contra esta tendência.

Em geral a produção energética é ainda hoje organizada a partir de uma estrutura centralizada composta por grandes centros produtores e grandes centros consumidores a partir de combustíveis fosseis, nuclear e grandes barragens. Obviamente é também controlada ou por grandes empresas do sector energético ou pelo Estado que opera, na maioria das vezes, como uma agência dessas mesmas empresas que detêm o monopólio sobre todo o mercado e o processo de produção energética. No entanto hoje fala-se muito em sistemas descentralizados de energias renováveis. Em linhas gerais para onde pensas que devem evoluir os sistemas de produção energética e que tecnologias e modelos constituem a sua base?

É verdade que as tecnologias de energia renovável, devido à distribuição de recursos extremamente localizada tal como vento e principalmente o sol, chamam por um modelo de produção energética descentralizado. De um ponto de vista técnico esta mudança tem estado a acontecer na década passada à medida que os sistemas de distribuição evoluem em direção à chamada “smart grid” [rede inteligente] com micro-redes e mini-redes a absorverem a produção local das fontes renováveis. Em particular, os sistemas solares estão a ficar mais baratos e fáceis de instalar a nível doméstico, tornando esta tecnologia acessível para muitos habitantes das cidades. Com políticas tais como o net-metering na Europa, estes sistemas domésticos ou a nível dos bairros podem injetar a sua produção energética na rede ou destiná-la ao uso próprio. Através de tecnologias de comunicação apropriadas e regulação dos preços da eletricidade, estes sistemas podem ser interconectados e automatizados para usar eletricidade como um novo tipo de moeda tal como tem acontecido na cidade de Nova Iorque, por exemplo, onde prosumers (consumidores e simultaneamente produtores) de eletricidade gerem os seus eletrões através dos seus telemóveis (16). Como as tecnologias de armazenamento tem custos significativamente elevados, armazenar esta nova moeda na tua casa não é economicamente viável e por isso a rede é usada como pool (piscina de energia) comum de armazenamento onde todos dão e tiram ao mesmo preço. Obviamente, a regulação da pool comum de energia está nas mãos de agências estatais enquanto há um grande conflito em torno da privatização da actual infra-estrutura de distribuição de energia. Ao mesmo tempo a produção fóssil e renovável de energia das grandes corporações é ainda parte do sistema de produção e estas têm a sua parte neste mercado de ações de energia. O que tudo isto não consegue resolver é a atual mercantilização da energia renovável, que garante valor de troca aos eletrões, em vez de considerar a energia eléctrica como parte de um recurso comum ao qual todos temos direito a aceder. Os modelos cooperativos de produção energética são, potencialmente, a única forma de resolver essas questões desde que façam parte de um discurso centrado nos recursos comuns.

Ao nível da gestão, propriedade e participação das comunidades e indivíduos é possíveis hoje pensarmos na adopção de modelos de produção energética organizados a partir da base da sociedade e pelos seus indivíduos? Que experiências conhecem?

energia de base 04A experiência na Grécia é bastante pequena em termos modelos cooperativos de produção energética localizados. Como a nossa organização Nea Guinea está mais envolvida em auto-suficiência e resiliência de pequena escala, temos experimentado com pequenos projectos agrícolas rurais ao produzir e gerir a sua eletricidade a partir de fontes de energia renováveis. Por exemplo, duas pequenas turbinas de 2.4 e 3 metros de diâmetro foram instaladas numa eco-comunidade nos subúrbios de Atenas, que experimentam formas de vida comunitária e tecnologias para a produção de comida a nível local. A comunidade cobre totalmente as suas necessidades energéticas através das duas turbinas e alguns painéis solares. Também uma cooperativa de produção de azeitona biológica no sul da Grécia teve a sua quinta eletrificada com o uso de um gerador solar de 4kW e uma pequena turbina eólica de 2.4 metros construída num workshop da Nea Guinea. O workshop de energia comprometeu-se com o desenho e a instalação do projecto, ajudando assim a comunidade em termos de resiliência energética. Finalmente uma Bomba de Água Solar de 750W de potência nominal foi instalada na Grécia ocidental, na ilha de Leukada, de forma a bombear a água destinada a irrigação de um poço para a quinta biológica de uma pequena comunidade de pessoas que participa numa rede de protecção de sementes a nível nacional. Adicionalmente, o workshop de energia da Nea Guinea desenvolveu o design de uma pequena hidroeléctrica baseado nas técnicas de fabrico usadas para a construção do gerador das pequenas turbinas eólicas. O pequeno gerador hidroeléctrico de 500W de potência nominal foi instalado em Março de 2013 na quinta rural ‘Rodokalo’, na montanha de Iti, na Grécia central. A pequena comunidade que lá vivia e que praticava um caminho em direcção do decrescimento não tinha, previamente, eletricidade. O workshop da Nea Guinea comprometeu-se com a tarefa de construir a resiliência energética daquela comunidade, e desenhou e instalou o projecto da pequena hidroeléctrica, não apenas para cobrir as suas necessidades energéticas mas também as suas necessidades em termos de água quente. Este é um exemplo prático de como as tecnologias Open-Source podem ser aplicadas em contextos locais e transformarem-se assim em ferramentas para a auto-suficiência. Todos os exemplos acima são parte de um projecto mais amplo do workshop de energia, de forma a providenciar serviços de eletrificação para comunidades em decrescimento e iniciativas educacionais através do uso de tecnologias Open-Source.

A ecologia parece ter entrado no léxico das grandes empresas e dos governos. Hoje fala-se em “crescimento verde” e “economia verde”. No entanto a energia continua a ser vista como uma mercadoria e um produto com a qual estes geram lucros e fortunas. Isto acontece paralelamente a um crescente movimento social, que podemos considerar global, alertar para os efeitos das alterações climáticas e para o colapso generalizados de ecossistemas e sistemas naturais. Qual será o papel de modelos energéticos horizontais, comunitários e sustentáveis neste processo?

Na continuação da questão anterior, os modelos cooperativos de produção energética podem ser uma das poucas maneiras de resolver as questões da mercantilização da energia e trazer uma discussão pública e aberta sobre os recursos energéticos partilhados. Não estou seguro até que ponto isto é parte da agenda das cooperativas energéticas, mas este parece-me ser o único espaço social onde isto pode acontecer a partir de uma perspectiva de base. Ao tentar lidar com esta questão basta que olhemos para a história das cooperativas para ver quão contraditórias essas experiências podem ser. No entanto, este parece ser o espaço social natural para este tipo de ideias poderem crescer para movimentos.

A Grécia enfrenta ainda uma intensa crise social e económica que parece permanecer, independentemente da cor dos seus governos. Neste processo nasceram projectos comunitários ou cooperativos de produção energética em bairros ou comunidades gregas? Que papel tiveram estas iniciativas na resposta à crise?

Existe atualmente um pequeno número de cooperativas energéticas na Grécia. Muitas estão em formação e operam no campo. Não existem cooperativas energéticas nos grandes centros urbanos da Grécia. Ainda assim, tiveram lugar uma ações em matéria de energia nos primeiros anos da crise económica, quando as contas de eletricidade domésticas eram fortemente taxadas. Vários cidadãos não pagaram essas taxas e houve um forte movimento de desobediência civil formado em torno dessas ações. Claro que isto acabou com muitas pessoas em dívida com a companhia pública de energia. Isto significou que a ligação eléctrica foi cortada em muitas casas. Alguns cidadãos organizaram-se com eletricistas e re-conectaram as casas à rede eléctrica como um sinal de desobediência civil.

Notas:

(1) http://goo.gl/XAkHG2
(2) Ramon Fernández Durán: https://goo.gl/PNuPTj // En la espiral de la energía, Libros en Acción, 2014
(3) Kolya Abramsky (edição), Sparkling a Worldwide Energy revolution, Social Struggles in the transition to a post-petrol world, AK Press, 2010.
(4) http://goo.gl/ApYZIK
(5) Kolektivo Kolibri, disponível em somosvientodocumental.wordpress.com.
(6) https://goo.gl/7loKda
(7) Sistemas de produção de energia isolados ou autónomos sem ligação à rede de distribuição de eletricidade constituídos por mais do que uma fonte de energia (por exemplo, solar, eólica ou geração diesel).
(8) NT: O termo original usado é Global South e refere-se aos países que são considerados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
(9) NT: O termo Open-Source (código aberto) refere-se ao software cujo código-fonte está disponível para acesso ao público em geral e que detém uma licença que garante a qualquer utilizador a liberdade para estudar, alterar ou distribuir esse software. O termo nasce do contexto da computação mas aplica-se a qualquer criação em diversas áreas. O Open-Source é hoje um movimento que defende o livre acesso à informação e às criações, em oposição à propriedade intelectual.
(10) scoraigwind.co.uk
(11) NT: Sigla ingles para Do it Yourself (faz tu mesmo).
(12) www.reprap.org
(13) opensourceecology.org
(14) O movimento Maker defende a ideia de que qualquer pessoa pode construir, fabricar ou modificar, pelas suas próprias mãos, projectos e objectos diversos num ambiente de partilha de informação.
(15) rescoop.eu
(16) Notícia na revista New Scientist, “Micro-rede baseada em Blockchain fornece energia a consumidores em Nova Iorque” disponível em https://goo.gl/jyF7Pn

 

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