Os senhores e a conquista de Óbidos
Um Projeto de Interesse Nacional (PIN), no município de Óbidos, corta acesso a praias para se construir mais um resort de luxo e golfe.
Os últimos hectares de mata atlântica (maioritariamente pinhal) com mata natural do Bom Sucesso, em Óbidos, estão ser destruídos para dar lugar a mais um PIN. Em causa está o Resort Falésia D’El Rey, um projeto imobiliário com 475 moradias e apartamentos de luxo, hotel 5 estrelas, boutique hotel, piscinas e campo de golfe de 18 buracos, que se estende até 500 metros das falésias, que estão a desabar, pondo em perigo a segurança das pessoas na praia. Os acessos às praias estão fechados ao público devido às obras e a população sente que perdeu as suas praias.
A história do Bom Sucesso com o turismo é a repetição do que passou no Algarve quando Gerard Fagan (considerado um dos donos do golfe em Portugal) decidiu que “é aqui (Algarve) que queria passar a minha reforma”. Em 2000 conhece o Inglês Simon Burgess, com quem decide criar um projeto turístico, o Estrela da Luz, na Praia da Luz, e desde então nunca mais pararam indo até Silves, comprando também os cinco campos de Albufeira e chegando inclusive aos Açores e a Óbidos. Ou como o caso da Costa Vicentina onde se verifica a violação e usurpação de espaços protegidos, a privatização de praias 1 em nome da economia e do interesse nacional, recorrendo, para isso, a gastos de água astronómicos, a exploração laboral resultando na perda de território comum e na deterioração das condições sociais.
O projeto de Óbidos vai ocupar o último espaço “natural” usado para férias pela população local, bem como por imigrantes e alguns turistas das classes mais baixas. Aí faziam-se piqueniques e churrascos em família, ia-se às praias, realizavam-se pequenos encontros/festas, praticavam-se desportos, fazia-se campismo selvagem, ia-se namorar e ver o pôr-do-sol. Era o sítio onde os habitantes locais iam apanhar cogumelos, ervas medicinais selvagens, lenha, pastar e/ou passear os animais. Para quem conhecia e frequentava o local deste pequeno ex-oásis no meio de construções e praias “com condições para o usuário e o comerciante”, é desoladora a imagem do derrube das árvores, dos muros e das cercas, das constantes obras, das placas “proibido passar/propriedade privada”, dos seguranças em vez dos guardas florestais. O caso é, também, semelhante ao que se passou na Meia-Praia, em Lagos no Algarve, em 2011, aquando da interditação da circulação nas estradas de acesso às praias em Odiáxere, devido à construção do Palmares Resort, junto à praia de Alvor. Para construir o Resort Falésia D’El Rey foram também cortados os acessos às praias do Rio Cortiço e Olhos de Água (Lapinha). A Câmara de Óbidos congratula-se por ter conseguido, em 2007, reduzir o projecto inicial de construção de 15% dos 240 hectares para 5% após negociação com as empresas.
O resort em questão faz parte de um projeto promovido, desde 1997, sob o nome Silver Coast, constituído por vários campos de golfe e habitações de luxo com grande presença na Zona Oeste, entre Torres Vedras e Nazaré. Na verdade são dezenas de mega-projectos de “interesse nacional” dedicados ao golfe, nesta área de turismo, sendo este apenas mais um, contabilizando-se cinco na área do Bom Sucesso.
Como admitiu uma moradora a um jornal local, moradores, ecologistas e comunicação social têm estado a dormir. Esta expressou que “ O aviso do empreendimento estava lá, mas deu-se a crise, os outros resorts faliram ou estão em insolvência e nunca pensámos que de repente fosse avançar. Os outros empreendimentos na zona não deram certo e nós achávamos que esta área estava protegida” 2.
O Resort Falésia D’El Rei é uma iniciativa do Beltico Group que tem como missão: “A promoção e gestão de resorts e propriedades enquanto investimentos a longo prazo.” O grupo está presente no Reino Unido, Europa Continental, América do Sul, Norte de África e Extremo Oriente. Em Portugal desenvolveu o Praia D’El Rey Golf & Beach Resort, que descreve como “uma região intocada” e “um dos desenvolvimentos mais exclusivos e atraentes resorts de Portugal”, tendo a empresa Crisser, SA como promotora.
O projeto Praia D’El Rey foi o primeiro projeto do Beltico Group no final dos anos 90. Em 2015 recebeu o prémio Hall of Fame do Tripadvisor. Neste mesmo ano foram encerrados restaurantes e demolidas cerca de 60 moradias de luxo devido a insolvências. O Praia D’El Rey Marriot Golf & Beach, – no qual a seleção nacional de futebol costuma ficar alojada durante os estágios – em Óbidos, não foi englobado na insolvência, sendo salvo pela Blue Shift Portugal, empresa de consultadoria para investimento e rentabilidade de hotéis e resorts. O Praia D’El Rey e estes empreendimentos têm recuperado algum dinheiro ao acolherem encontros de empresas, comícios, férias para representantes de empresas, reuniões e ações filantrópicas. Foi assim que em 2007 recebeu a reunião “Troika Alargada de Chefes da Polícia da União Europeia”, que teve a participação de 30 representantes da polícia europeia, do secretariado-geral do Conselho Europeu e da Comissão Europeia, sem faltar a Interpol e a Europol. O objetivo do encontro prendeu-se com “a forma de antecipar e prevenir o crime, ou seja, como travar e conter organizações criminosas internacionais a todos os níveis”. O encontro dedicou-se também a “aprofundar a relação das polícias ao Frontex (Agência Europeia de Gestão de Fronteiras)” 3.
No empreendimento Praia D’El Rey foi construído o primeiro hotel de cinco estrelas da Zona Oeste, o Marriot Hotel. Também o projeto turístico Bom Sucesso-Design Resort, considerado um dos melhores empreendimentos turísticos da Europa, financiado pelo BES, foi obrigado à insolvência em 2014 pelo tribunal, que nomeou uma administração para gerir a massa falida. As casas custavam entre 300 mil e 1 milhão de euros e têm gente como Ricardo Salgado ou José Mourinho como proprietários das habitações de luxo. Neste empreendimento estão investidos cerca de 14 milhões de euros para a construção de um hotel de luxo cuja obra está parada há quase um ano. Os investidores estão protegidos por um Plano Especial de Recuperação (PER) do Estado português.
Em 2006, 95% dos compradores de propriedades provinham da Inglaterra, Dinamarca, Holanda e Espanha, que pagavam pelas casas mais baratas 500 mil euros usando Vistos Gold, mecanismo que permite que cidadãos de Estados-Terceiros possam obter uma autorização de residência temporária para atividade de investimento, com a dispensa de visto de residência para entrar em território nacional. O projeto do Bom Sucesso chegou a ser classificado com cinco estrelas pela Direção Geral de Turismo. As receitas de quase 2 mil milhões de euros são a justificação para a aposta do Governo no golfe e nos resorts. Foi devido a este valor que o Estado decidiu integrar o golfe dentro dos produtos estratégicos para o desenvolvimento do turismo. O Conselho Nacional para a Indústria do Golfe (CNIG) criou o projeto Golfe 200 mil, que consiste em disponibilizar zonas de treino gratuitas a estudantes por um determinado período de tempo, de forma a incentivar a prática do golfe. Mas a realidade mostra o falhanço destes megaprojetos. Em Torres Vedras, o Resort Campo Real também chegou a estar em insolvência em 2011, mas com a venda do ativo tóxico por parte do BCP à Discovery, um fundo do próprio BCP, que mais tarde passou a responsabilidade de exploração para as mãos da norte-americana Dolce, o projeto continuou ativo. António Carneiro, enquanto presidente da Região de Turismo do Oeste, declarou, durante o seminário “Turismo: Nos caminhos da qualidade”, realizado em 2007 em Óbidos e organizado pela Escola de Altos Estudos de Turismo de Óbidos, que “na região há espaço para todos, desde que tenham qualidade”. Hoje, todos os projetos de golfe e resorts da Zona Oeste já apresentaram insolvência e os que não fecharam só funcionam a 50% ou menos. Ainda assim, surge o Resort Falésia D’El Rey, com dinheiros públicos para destruir a ultima parcela verde e livre e que vem cortar o acesso a praias públicas.
Em 2014 tiveram lugar manifestações de trabalhadores em resorts e hotéis de luxo da região Oeste, onde se reivindicava o direito à reunião e melhores condições de trabalho. Em Março, houve duas manifestações organizadas por sindicatos junto ao Hotel Marriot na Praia D’El Rey, na pousada do Castelo de Óbidos e em frente ao Sana Silver Coast, nas Caldas da Rainha. As ações foram levadas a cabo depois da Administração do Marriot, no Bom Sucesso, ter interrompido as negociações com os trabalhadores, onde estava a ser discutida a forma como os trabalhadores tomam conhecimento de quais os turnos a realizar (visto que normalmente eram informados na noite anterior pelo patronato), bem como horários, aumentos salariais e melhores condições para poderem planear férias em família. Em Óbidos, a manifestação serviu também para exigir melhores salários em todo o grupo Pestana Pausadas.
Na Zona Oeste, os mega-projectos começaram a ser notícia depois de o Buddha Eden Garden, um espaço com cerca de 35 hectares idealizado e concebido pelo comendador José Berardo no município do Bombarral, ter levado ao abate de dezenas de sobreiros. Para 2016, está previsto o arranque do parque de diversões do Bombarral, um projeto considerado pelo Governo como sendo de interesse público e que o levou a desclassificar parcelas de área protegida dentro da Reserva Agrícola Nacional, de forma a permitir a construção de um parque de diversões, um mini-golfe, cinema 4D e uma montanha-russa. O parque é promovido pela empresa Sky Tower, e conta com investimentos do arquiteto Manuel Remédios e de Hartley Booth, ex-ministro britânico do Governo de Margaret Thatcher, entre outros. Ocupará 38 hectares, mais de metade da Disneyland de Paris, e no final de 2014 ainda esperava pelos resultados da Avaliação de Impacte Ambiental. Na Nazaré, investidores Alemães e Suíços planeiam também um mega-projecto de luxo com golfe, num investimento de 750 milhões de euros, na área de São Gião. O projecto tem o nome de Dubbed Golden Sunset Resort e é encabeçado pela empresa alemã Circle of Inovation Immobolien (COI). O representante da COI, José Ova, afirmou ao portal de notícias Dinheiro Vivo que a empresa tinha intenções de construir noutro país mas que “a entrega e esforço do Concelho da Nazaré levou-os a mudar de ideias“ 4. O Presidente da Câmara Walter Chicarro, do PS, diz que tudo está ser feito para que os trabalhos possam começar o mais rapidamente possível. Em toda a área Oeste também vários condomínios fechados de luxo estão a ser construídos e grandes áreas estão a ser cercadas para reservas de caça. Há ainda hectares que estão a ser ocupados pela indústria da fruticultura e da agricultura intensiva. A zona das Caldas da Rainha e, mais propriamente a área da Serra do Bouro, é também a zona onde os geólogos da indústria petrolífera concentram os estudos de forma a analisar a viabilidade da instalação de reservatórios de gás natural. Enquanto os senhores brincam aos ricos, o povo fica cada vez mais pobre!
Artigo bastante esclarecedor acerca dos interesses em tornar a região oeste num gigante parque temático de horrores constituído por um conjunto desarticulado de simulacros turísticos. Não precisam ser viáveis porque a perspetiva de rentabilidade é outra.
Fez-me vislumbrar um futuro em que a experiência turística portuguesa se assemelhará ao do comboio fantasma ou num mega estudo de caso como mau exemplo.
Grata pela sua opinião e informação de os outros vários ecocrimenes, alem do Bom Sucesso. Chego a conclusão que isto quer dizer que e praticamente impossível parar esta massacre, sem fundamento, já que e tudo uma autentica farsa, para enriquecer uns quantos, que ainda por cima declaram-se na comunicação social e TV, ecologistas e autosustentaveis, nos seus próprios empreendimentos turísticos, com uma lata indescritível, como se o resto das pessoas que assistimos as suas manobras fossemos absolutamente estúpidos ou não existiremos, ou como se vivessem sós no planeta.