Safou-se!
Andávamos há três dias a trabalhar debaixo de chuva num campo de quivis, a trinta quilómetros de Bayone (França). Contando comigo, éramos sete pessoas. Três portuguesas, dois franceses, um senegalês. Eu vinha já de outros trabalhos. Quatro meses e meio de canseiras, a tratar das videiras, das cerejeiras, dos damasqueiros.
Em dado momento, quando conversava com uma das portuguesas, a mais jovem, não sei como nem porquê, veio à baila a artista Joana Vasconcelos, parisiense de origem portuguesa. A moça, que vai a França trabalhar para poder pagar uma formação de pedagogia Waldorf em Portugal e que demonstrou conhecer bem as cantigas do Sérgio Godinho e do Zeca Afonso, falava com desenvoltura das «obras de arte da Joana». Admirava os enormes sapatos de tacão alto, «a ideia genial» de levar um cacilheiro do Tejo para expor em Veneza, etc. …
Aguentei firme as impressões primárias, sem sentido crítico, até que, numa aberta, comecei a desconstruir as obras e a artista. Que ela é boa, sem dúvida, mas na arte do negócio. A rapariga levantou os olhos dos quivis, parou, olhou-me na cara e disse: – Sim, tens razão. Mas a Joana Vasconcelos safou-se! E, depois, afastou-se apressada da minha beira.