Haja saúde!
Saúde é um estado total de bem estar físico, emocional, psicológico, espiritual e social
No dia 23 de Julho de 2014 passaram 7 anos que o meu professor/mentor (sifu) Doc (Ron Rosen) faleceu. O Doc começou em criança a praticar artes marciais chinesas, a aprender medicina chinesa, inicialmente medicina die da (quedas e murros) de traumas físicos, ervas, acupunctura, massagem e começou a praticar medicina em Denver em 1974. Estudou também rituais de cura e ervas da medicina tradicional Lakota e tornou-se membro adoptivo deste povo após o cerco de 1974 em Wounded Knee 1.
Foi um dos fundadores do colectivo Street medics 2 (médicos de rua) nos anos 60 nos Estados Unidos, membro do comité médico para os direitos humanos (Medical Comitee for Human Rights), fundador e membro da direcção da GUAMAP, (Guatemala Medical Aid Project / Projecto de Ajuda Médica para a Guatemala) – organização que desde o início dos anos 90 envia para aldeias no norte da Guatemala acupuntores/as e outros voluntários provedores/as de cuidados de saúde para ensinarem promotores de saúde e integrar a acupunctura nos cuidados de saúde prestados nas comunidades mais remotas. E em 2002, após vários treinos em medicina de emergência e a formação de grupos de Médicas/os de Rua Europeus (European Street Medics) foi também responsável pelo início do programa Europeu de Médicas/os Pés Descalços Sem Fronteiras (European No Borders Barefoot Doctor Program) no qual eu, entre outros, iniciámos o estudo e a prática da medicina tradicional chinesa.
Foi missão de vida do Doc devolver às pessoas o poder que vem delas, lhes pertence por direito e que é o da medicina enquanto ferramenta para a vida.
Partilhar conhecimento para dispersar o poder
Aprendi com ele que qualquer pessoa que tenha acesso a informação correcta, partilhada de forma clara, pode providenciar cuidados de saúde básicos na sua comunidade. Isto aconteceu na China, em grande escala, nos anos 40 3 e na América Central nos anos 70. Quando agricultores foram instruídos em cuidados de saúde básicos contribuíram muito para melhorar a nutrição, o ambiente, a higiene, o planeamento familiar e a condição geral de saúde da população rural. Também desde os anos 60 até agora, quando pessoas sem formação médica formal praticam primeiros socorros em protestos/manifestações, como é o caso dos street medics.
Tanto na altura como agora, a verdade é que nós somos os nossos recursos mais valiosos. Partilhar conhecimentos e técnicas para gradualmente deixarmos de depender de um sistema cuja prioridade é o lucro, e não a nossa vida, é vital para a nossa saúde. Um valioso recurso educativo para o tratamento e prevenção de problemas de saúde comuns é o livro (disponível gratuitamente) “Onde não há médico” 4 de David Werner. Editado originalmente em castelhano para servir as populações do México, rapidamente foi traduzido em muitas línguas e sucederam-se as edições de livros semelhantes para mulheres, crianças com necessidades especiais, medicina dentária, etc. 5, acompanhando as necessidades crescentes desta população mundial, cada vez mais esmagada pela violência do seu papel de consumidor, pela ausência do sentido de comunidade, de solidariedade e de pertença deste todo que é o planeta e o universo.
As guerras, a pobreza, a fome, os desastres ambientais, são hoje resultados directos e globais do modo de produção e vida capitalista. Que infligem sobre a maioria da população do planeta uma pressão constante e imensa, traumatizando indivíduos, comunidades, tribos e populações inteiras.
A tensão/stress da vida quotidiana afecta a maioria das pessoas e, embora não seja uma patologia em si, pode causar doenças se for sentida por um período de tempo prolongado e se o corpo não conseguir reagir adequadamente ao evento stressante.
É vital cuidar de nós, das nossas cabeças… curar é uma habilidade a aprender.
Quanto mais conscientes estamos da destruição e violência constante que este sistema e seus Estados promovem contra nós e agimos contra isso, confrontando a classe dominante, as estruturas do poder, as hierarquias, mais intensa e constante se torna essa confrontação, a todos os níveis. Frequentemente neste processo esquecemo-nos de nós mesmas 6. Trabalhamos, organizamos, protestamos até sofrermos um colapso. Arcamos com consequências, lidamos com perseguições e cansaço, sem nos apercebermos das consequências a longo prazo em nós, nos nossos corpos e mentes.
É tão comum encontrarmos pessoas que enfrentam situações emocionais complicadas derivadas das suas vidas, que há tendência a considerar isto normal. A exaustão, colapsos nervosos, traumas, depressões ou dependências, são extremamente debilitantes e perturbam profundamente o nosso saudável funcionamento. É vital encontrarmos um maior equilíbrio, tempo, espaço para relaxar e descansar, reflectir no que aconteceu, recuperar forças e apoiarmo-nos mutuamente em todo este processo.
A medicina chinesa é um sistema independente que se desenvolveu ao longo de milhares de anos de observação e compreensão dos padrões e ciclos naturais e do nosso funcionamento. Nela não há diferenças entre sintomas físicos e emocionais, todos fazem a imagem geral de um padrão que é posteriormente tratado como um todo. O corpo e a mente são tratados como um só.
As feridas emocionais podem ser como feridas físicas, se não forem tratadas permanecem como obstruções tóxicas dentro dos nossos corpos.
As alterações do estilo de vida são consideradas cruciais para o bem estar do paciente. Por isso:
– O apoio comunitário é fundamental não só durante os momentos problemáticos mas também nas alturas de afastamento e recuperação.
– Conhecer os nossos limites pessoais e aceitá-los.
– Não ignorar os sintomas relacionados com stress que surjam.
– Dormir e descansar o suficiente.
– Comer bem e regularmente.
– Exercício (qi gong, yoga, bicicleta, escalada…).
– Sintonizar com os ciclos naturais (dia/noite, primavera/verão, outono/inverno).
Todas nós podemos beneficiar ao sermos capazes de promover e providenciar cuidados de saúde básicos nos nossos círculos. A ideia de partilhar conhecimento ajuda a dispersar o poder e pô-lo onde deve estar, nas nossas mãos!
Este pequeno artigo pretende ser o primeiro de uma série destinada a partilhar conhecimento prático, preventivo, básico e histórias inspiradoras, tudo bom para a nossa Saúde!
Maria Freixo
Notes:
- http://goo.gl/1caOu4 ↩
- http://goo.gl/zsizdF ↩
- http://goo.gl/2bUJEm ↩
- http://goo.gl/4VesYK ↩
- http://goog.gl/qshu63 ↩
- A partir daqui uso o substantivo feminino para me referir a todas as pessoas. ↩
[…] Maria Freixo, no artigo Haja Saúde ! […]