Economia é a tua Tia!

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O paradigma da actividade bancária alterou-se substancialmente nos últimos 30 anos, coincidindo, não por acaso, com a actual fase da globalização capitalista assente na desregulação dos diversos mercados e no predomínio do capital financeiro. Os bancos deixaram de ser instituições que guardavam poupanças, emprestavam dinheiro ou trocavam moeda estrangeira em operações controladas e com taxas de juro pré-definidas, para passarem a especular gananciosamente no sector imobiliário e, sobretudo, nos mercados bolsistas, com produtos novos que prometiam altas, mas desconhecidas, taxas de rentabilidade. Para aumentarem a sua base de clientes e melhorarem artificialmente os seus rácios de actividade, começaram a oferecer crédito ao desbarato a pessoas sem qualquer cultura financeira que, depois de pressionadas, o aceitavam sem perceberem minimamente no que se metiam. Os resultados estão à vista e são conhecidos de todos. Bastou o sector imobiliário nos EUA ruir para o sistema entrar em colapso. Tudo isto não seria grave se tivessem sido os gananciosos a pagar. Mas não foi assim que aconteceu. Como tem sido norma desde a década de 80, o sistema político acorreu em auxílio do capital financeiro e, com a sempre prestimosa ajuda dos media, encetou uma lavagem ao cérebro do cidadão comum, massacrando-o dia e noite com a teoria de que estávamos perante uma grave crise porque “gastámos de mais e não trabalhamos o suficiente”. Assim, à anterior privatização dos lucros, sucedeu-se a presente colectivização dos prejuízos. Como se não bastasse, ainda aparece uma “esquerda” com resíduos de marxismo a concordar com a teoria da crise e a apregoar o princípio de um ciclo que terminará com a implosão do capitalismo. Ora nada disto cola com a realidade.

Quando bancos e grandes grupos empresariais anunciam lucros de milhões, enquanto o desemprego atinge 17%, no caso de Portugal, não há crise do capitalismo! Quando a arrogância patronal e a violência do Estado alastram, enquanto os trabalhadores perdem conquistas sociais e laborais, não há crise do capitalismo! Quando os ricos estão cada vez mais ricos, enquanto os trabalhadores vêem aumentar a sua carga horária laboral e são roubados no seu salário, não há crise no capitalismo! O capitalismo é a própria crise! E temos de ser nós a acabar com ele!

A realidade é que o capitalismo está, pura e simplesmente, a passar para um novo patamar de exploração sobre os indivíduos, nunca atingido desde a 2ª Guerra Mundial, através de uma aliança fortíssima entre o capital financeiro e a classe política. Não é por acaso que o Estado não se preocupa com a falência de empresas e consequente aumento do desemprego, mas acorre de imediato a “resgatar” bancos em situação de pré-falência, muitos deles administrados por ex-políticos, vítimas apenas da sua própria ganância e que beneficiaram de uma desregulação promovida pelo poder político. Sendo assim, não me parece que o capitalismo acabe algum dia por implosão devido aos efeitos de uma grande crise final motivada pelas suas contradições internas. Estas, aliás, sempre existiram ao longo da sua história, aquando das passagens de um tipo de capitalismo dominante a outro – agrário para o industrial, por exemplo, ou deste para o financeiro – e das respectivas lutas intestinas que as acompanharam. O capitalismo saiu sempre reforçado destas pretensas crises, alargando o seu domínio de influência territorial e intensificando o grau de exploração. A austeridade, que alastra sobretudo nos países do Sul da Europa, faz parte deste novo patamar. Em nome da hipotética crise e do seu combate, a aliança político-financeira adoptou um caminho de extrema violência laboral e social, procurando acabar com regalias e conquistas alcançadas depois de muitos anos de duras lutas contra o capital. A questão da “refundação do Estado”, colocada recentemente em cima da mesa pelo governo português, só procura reforçar este caminho, aproveitando a maré para vender a imagem de que a existência de muito Estado, gastador e incompetente, é um dos factores que está na génese da crise. A solução é a privatização de tudo o que é minimamente lucrativo, restando ao Estado apenas assegurar a gestão de sectores de apoio ao “bom” funcionamento do sistema, nomeadamente a vertente policial e repressiva.

Voltando à crise, não é de estranhar que a situação seja mais grave nos países do Sul da Europa, marcados por diferentes formas de fascismo. A economia portuguesa tinha um problema estrutural herdado do modelo de sociedade imposto por Salazar e pela igreja católica: isolacionismo, ruralidade, indústria pouco desenvolvida e concentrada em sectores tradicionais, baixa escolaridade, ausência de vias de comunicação. O pós-25 de Abril viu nascer um país mais moderno, mais de acordo com os padrões de vida e de consumo europeus, mas com todos os problemas de um desenvolvimento desigual – litoral versus interior, Norte versus Sul –, e submetido à lógica do capitalismo liberal que mandou acabar com alguns sectores da já de si reduzida actividade económica em nome da globalização, ou seja, em nome de acordos comerciais com países emergentes que só beneficiaram os países ricos do Norte. Sendo uma economia completamente aberta ao exterior e com uma classe empresarial que sempre beneficiou da ausência de concorrência e da protecção do Estado, a economia portuguesa nunca teve uma base de sustentação interna, dependendo do sector exportador e, sobretudo, do bom desempenho dos seus principais parceiros comerciais. Com a adesão à moeda única, acabou o mecanismo da desvalorização cambial como recurso para melhorar a competitividade das exportações e, consequentemente, as dificuldades das empresas portuguesas aumentaram, empurradas para uma economia global galopante para a qual poucas estavam ou estão preparadas. Impera a lei do mais forte.

Muitos defendem que os problemas actuais foram motivados não pelo sistema capitalista, um bom sistema, mas apenas pela eliminação da regulação e pela ganância e corrupção de gestores e políticos. Tudo se resolveria com uma reformulação do capitalismo, mudando o paradigma para um crescimento sustentado, e com o retorno ao Keynesianismo e aos seus mecanismos de regulação. Sabe-se que o objectivo do capitalismo globalizado é a maximização do lucro à escala planetária. Capitalismo sem lucro, não é possível. Para isto, o capitalismo precisou, e continuará a precisar, de maximizar a exploração de recursos, numa espiral de desenvolvimento contínuo alimentado pelo consumismo, pela ganância, pelo lucro, pelo progresso tecnológico e pela irracionalidade do sistema produtivo, que estão a conduzir esta sociedade ao esgotamento dos recursos naturais não reprodutivos, situação que põe em causa o futuro das próximas gerações. O capitalismo não pode ser sustentável porque isto é incompatível com a sua génese. Preservar a natureza e os ecossistemas não faz parte do código genético do modo de produção capitalista, por mais sustentável, verde e humano que ele se rotule. Também a solução do retorno ao Keynesianismo regulador dos mercados está completamente ultrapassada e deslocada da realidade, em resultado da própria evolução do capitalismo, hoje completamente globalizado, ultrapassando as fronteiras de estados, incontrolável e irreformável. Como alguém escreveu “tentar reformar o capitalismo é como perfumar merda: não vale a pena”. Para além disto, como já referido, está poderosamente apoiado num poder político que lhe tem aberto portas, legislando à medida das suas conveniências. A desregulação dos mercados não foi um facto económico. Não foi feito pelas empresas. Foi um facto eminentemente político, patrocinado por políticos e que consubstancia esta aliança.

Não tenhamos ilusões. Ninguém sai das cadeiras do poder por vontade própria. O capitalismo é poder e só sairá quando nós o empurrarmos para fora desta história. Mãos à obra!

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2 Comentários
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  1. Vítor Hugo diz:

    Muito bom o artigo, sintetiza a situação socioeconómica da area sul da europa e do sistema em si.
    Parabéns

  2. […] Economia é a tua Tia! – MAPA […]

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