Economia de Guerra Sobrevoa o Alentejo
Os bejenses não gostam que se lhes chame de elefante branco, mas eis a mais digna peça de humor surrealista da planície alentejana. Um não aeroporto com sinalética anunciando arrivals e departures, e onde casualmente aterra um passageiro.
Inaugurado em Abril de 2011 aproveita a Base Aérea n.º 11 (BA11) e custou 33 milhões de euros. Na maioria dos dias está vazio, sem voos e passageiros. A Empresa de Desenvolvimento do Aeroporto de Beja, de capital estatal, dissolvida em Setembro de 2012, acumulara só no seu último ano 1,1 milhões de euros de passivo, uma média de cerca de 100 mil euros mensais de prejuízos. A saída apontada ao aeroporto, cujo terminal é agora detido pelo grupo francês Vinci (detentor da ANA e Lusoponte) passa, de acordo com as conclusões do último dos grupos de trabalho, por uma operação mista entre carga e passageiros e criação de um cluster aeronáutico nacional em articulação com a brasileira Embraer em Évora. Estratégia de médio/longo prazo para o Alentejo, que beneficiaria da proximidade à Airbus Military em Sevilha e alicerçada na ligação à Força Aérea Portuguesa da BA11.
Quanto ao uso civil do terminal de Beja, João Paulo Ramôa, o bejense que liderou o referido grupo de trabalho, acautelara já que “o Estado pode chamar outra vez a concessão da infraestrutura para a sua órbita”. De acordo com o Diário Económico o contrato com a Vinci inclui “a prestação de actividades de concepção, projecto, construção, reforço, reconstrução, extensão, desactivação e encerramento de aeroportos”. Assim descortinado os moldes da concessão, e como voltará a pagar o erário público os prejuízos a acumular, parece cada vez mais evidente como o motor de arranque e objetivo primordial não é senão outro que a indústria militar, a economia de guerra.
A Coreia do Sul nos céus de Beja
Eis pois que surge em Beja novo anúncio da tábua de salvação para tão desastroso (não) aeroporto. Uma escola de pilotos militares Sul-Coreana para formar anualmente 200 alunos por um período de 30 anos. O acordo parece garantido, pois ao contrário das negociações com Espanha para Talavera la Real (Badajoz), Portugal não impôs as exigências monetárias do governo Espanhol que levaram ao fracasso dessa primeira escolha. Do que se sabe, apenas é reclamado que os caças T-50 Golden Eagle possam ser utilizados para treinar pilotos portugueses do F-16 e do Alpha-Jet, sem quaisquer contrapartidas financeiras. Após diversas visitas de delegações sul-coreanas a Portugal em 2011 a única contrapartida anunciada resultaria segundo o Ministério da Defesa, em alojar no Bairro Residencial da BA11 60 pilotos, 20 chefias e cerca de 150 técnicos de manutenção e suas famílias: um “grande fomento da economia local”. Essas “boas notícias” ecoadas na imprensa e Autarquia de Beja, reconhecem a saída pelos panos de fundo, pois como afirmou ao semanário SOL uma fonte militar, “se alguma coisa pode pôr o aeroporto civil a funcionar é este projeto”. Por outro lado reavivam a memória da BA11, construída em 1967, em plena Guerra Fria, concedendo a ditadura portuguesa à Alemanha Federal uma base segura à ameaça dos Mig do Pacto de Varsóvia. Assim se construiu a maior base aérea militar da Europa, cujo “bairro dos alemães” que dura até 1987 os bejenses recordam.
As vantagens anunciadas pelo exército sul-coreano respeitam a sua capacidade operacional, descrita por fontes militares à Radio Voz da Planície nos moldes em que “podia fechar todas as bases e colocar tudo em Beja”. A agência noticiosa sul-coreana Yonhap destaca um “espaço aéreo sem tráfego e céu aberto”, com as vantagens de aqui não serem “afetados pelas restrições de tempo de voo impostas em casa devido a queixas apresentadas pela opinião pública”.
Economia de Guerra
É por demais evidente que tais “boas notícias” sem contrapartidas financeiras prévias, não invertem nem de perto, nem de longe o colosso de prejuízo do aeroporto. Mas outros cálculos financeiros haverá. Diretamente a médio e longo prazo para os líderes mundiais da indústria militar, esse insano ramo da economia global onde a palavra crise não entra. O projeto de Beja, o Consórcio Internacional Militar do Centro de Formação de Voo, é para a Indústria Aeroespacial Coreana (KAI) uma montra essencial para atrair o interesse internacional no T-50 Golden Eagle, aviões da linha dos F-16 da “família” Lockeed Martin. Para além dos europeus, clientes como Israel ou Iraque tem sido alvo privilegiados aliciados nesse mercado. E para além de funcionar como um “stand de vendas”, a ideia é lucrar treinando os outros, clientes que não iriam atravessar metade do planeta para céus onde segue em crescendo uma “guerra fria” com a potência nuclear da Coreia do Norte.
Os Caças T-50 mais do que um produto desenvolvido pela KAI, emerge do maior fabricante militar do mundo, pela parceria com a Lockheed Martin. Desde os anos 30 a armar conflitos e países esta multinacional americana comanda desde há vários anos as compras do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América e é líder mundial de armamento.
Contar espingardas (e aviões)
No atual cenário de cortes financeiros parece extemporâneo sugerir novos investimentos militares por parte de Portugal. Tão pouco a vinda dos Golden Eagle estaria sujeita a esse atrativo, pois Beja é antes de mais uma porta de entrada na Europa e hemisfério Norte. E não é apenas a Coreia do Sul que tem nos EUA o seu maior aliado. Portugal afirmar igualmente uma relação privilegiada, que vai para lá da Base Militar das Lajes, mas que se reflete sobretudo como cliente da Lockheed Martin.
Portugal contratualizou com a Lockheed Martin o programa de modernização da Força Aérea, usando as oficinas da OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, e sobre um número reduzido de caças F-16, aeronaves C-130 Hércules e P-3P Orions. Segundo a página da Lockheed Martin os custos da modernização de vinte F16 usados contratualizaram aproximadamente 220 milhões de euros, no programa “Peace Atlantis II” assinado em 2003; somando em 2008 um novo contrato de 99.7 milhões de euros na modernização de cinco P-3C. Na cerimónia de aceitação da última dessas aeronaves na BA11 em Dezembro passado, os valores noticiados ascendiam já a um total de 185 milhões de euros.
Este processo de modernização, pautado por sucessivos atrasos, surge a par do processo de redução dos F16. Mais de metade está à venda, desse conjunto de 40 caças, ao longo dos anos adquiridos, junto com 17 aeronaves, à Lockheed Martin. Negociações com a Roménia ou a Bulgária têm vindo a lume desde o início do ano, naquilo que o ministro da Defesa Aguiar Branco refere de “racionalização de meios”. Não sem deixar de acenar que tais vendas poderão “inclusivamente vir a facilitar e criar condições para que o reequipamento da própria Força Aérea seja mais forte do que é neste momento”. E é no sentido futurista dessas afirmações que podermos perspetivar o interesse da instalação da Escola de Pilotos sul-coreana de Beja, solidificando a sucessão dos F16 pelos T50 e no mesmo fio condutor e lucrativo da Lockheed Martin.
É pois nesta alta esfera do negócio de armas que é prometida uma saída ao aeroporto de Beja com a instalação da aeronáutica militar no Alentejo. Até porque para lá dos negócios umbilicais de Portugal com a multinacional americana, o cluster aeronáutico que Portugal quer desenvolver, é hoje detido pelo grupo brasileiro Embraer, cujas fábricas em Évora participarão no fornecimento das aeronaves militares KC-390 à Força Aérea do Brasil, um produto que concorre à sucessão dos Hércules C-130. A Embraer Defesa e Segurança assumiu em 2012 controlo do capital da Airholding, um consórcio constituído em 2005 com o propósito específico de deter 65% de participação acionária na OGMA. Assim os brasileiros assumem o controle total da Airholding/OGMA, contra 35% das ações do estado português posicionando as fábricas do Alentejo no lucrativo mundo da produção de armamento.
Novos empregos fabris perpetuando o fim último da cadeia de produção militar. Lucros gigantescos de uma minoria, justificados por argumentos militaristas cada vez mais difusos (terrorismos supra nacionais), mas cada vez mais óbvios na disputa geoestratégica dos recursos essenciais do planeta. Legitimando um complexo militar-industrial que batizou de Progresso a Técnica como capacidade mortífera e de intimidação e determinando o desenvolvimento de uma dada região a essa mesma indústria.
Quanto ao “desmantelamento” da estrutura militar portuguesa que tem levado os militares a reclamarem a sua cidadania em jantares, cabe lembrar em jeito de réplica, a tamanha importância dos F16 nos nossos ares. Em 2012 descolaram umas três vezes para cumprirem missões de defesa aérea. Como por causa de um pequeno avião na região da Guarda, uma “situação limite em termos de interceção”, segundo disse o porta-voz da Força Aérea ao Expresso, concluindo que “acabaram por perder de vista o aparelho suspeito”.
Numa altura em que os militares contam espingardas, velando ameaças patrióticas e equiparam os cortes militares com o desemprego galopante de quem não tem sustento algum, ou a existência de menos um professor na mesma medida que um soldado, perde-se no meio de tão alargada insatisfação, entre o memorialismo dos militares de abril, o peso e a medida que são necessárias para avaliar quem mais pesa neste barco que nos leva a todos ao fundo.
Quando nas Forças Armadas 80% dos gastos são com pessoal e o gasto de cada português ultrapassa o valor correspondente de cada espanhol, é tão incompreensível a redescoberta “cidadania” dos militares, como a falta de uma indignação popular anti-militarista, sempre adiada pelas “políticas patrióticas de esquerda” e dos “militares de abril”. Ao que consta o peso dos submarinos de Paulo Portas não terá sido ainda suficiente para percebermos o quanto a industria militar e a economia do armamento nos tiram do pão para a boca.
Foi ontem anunciado o cancelamento por parte da Coreia do Sul do seu projecto de Beja (http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/coreia_do_sul_cancela_investimento_militar_de_200_milhoes_em_beja.html). Satisfeito por esse facto, desactualizando o acima expresso, o tom do texto não desaparece porém. Seja na necessária falta de uma indignação popular anti-militarista, contra a economia do armamento. Seja contra a mencionada lógica industrial insaciável que é por exemplo, expresso pela ameaça do nuclear. Acerca do Nuclear em Beja recorde-se alías os protestos dos anos 80 contra a Base de Beja (http://revistaalambique.wordpress.com/2013/04/19/o-nuclear-em-beja/)
Para nós Alentejanos, que durante décadas fomos carne para canhão nas mãos dos agrários feudais que nos mantiveram escravos até ao 25 de Abril de 74 … sonho que durou pouco, pois que com o golpe reaccionário de 25 de Novembro tudo se esfumou, pois com a devolução das terras aos descendentes dos ditos agrários , todo este plano maquiavélico que estão a engendrar na base de Beja , nada de bom nos reserva.
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